Minha tia tem participado de alguns eventos culturais, o que é bom para a idade dela e, como não podia deixar de ser, continua atrapalhada

Minha tia Laurinda ligou, estava alvoroçada. Tem participado de alguns eventos culturais, o que é bom para a idade dela e, como não podia deixar de ser, continua atrapalhada, se acerta a data, erra o local, se acerta o local, erra a data, se acerta o local e a data, erra o horário, e assim por diante.   
- Querido sobrinho, estou tomando um banho de cultura. Coisa boa. Comecei na Feira do Livro de Caxias, assisti uma apresentação fantástica de um violonista, uma coisa tipo aliança ou anel, algo nesse sentido. 
- Acho que a senhora quer dizer Lucio Yanel, tia. Um grande músico. 
- Esse mesmo, eu não lembrava direito. Depois, fui na exposição do Radicci e comprei alguns livros em promoção. Na semana seguinte ,fui para Antônio Prado,  assisti uma peça de teatro que faz parte da feira do livro. Fiquei encantada com a peça que apresentaram sobre o “liquinho” e uma moça bonita. 
- Acho que a peça era sobre Lampião e Maria Bonita. 
- É, foi essa mesma. Participar destes eventos me deixou toda ansiosa para a feira em Flores da Cunha, estava ansiosa para assistir ao encontro de corais. Mas alguma coisa não deu certa. 
- Não entendi, tia. O que não deu certo?  
- Fui na praça Nova Trento e não tinha nada, pensei: acho que me enganei, mudaram de lugar. Fui na Praça da Bandeira, também não tinha nada. Vai ver mudaram para o salão paroquial, fui lá e a coisa mais movimentada que tinha era o jogo de cartas. Como eu ando meio atrapalhada achei que tinha trocado as datas. Fui conferir e a data estava correta, afinal onde aconteceu o encontro de corais da Feira do Livro?
- Em Nova Pádua, tia. 
- É mesmo, não acredito que acertei a data e errei o lugar! E quando será a Feira do Livro em Flores? Eu gosto de passear, ver as crianças assistindo as peças, e algumas sessões de leitura são muito interessantes. Quando será?
- Acho que somente no ano que vem, Tia.
- Como assim? O que aconteceu? Morreu alguém, ou alguma tragédia que eu não fiquei sabendo para cancelarem o evento que ocorre há mais de 40 anos?
- Que eu saiba não aconteceu nenhuma tragédia. Felizmente. A única coisa que eu sei é que não conseguiram os recursos necessários. 
- Tu tá querendo me dizer que não saiu o evento por falta de recursos? É isso mesmo ou tá me tirando pra boba? Quer dizer que depois de mais de 40 anos agora não temos recursos para fazer? Mas como os nossos municípios vizinhos fazem o mesmo evento? Como eles conseguem recursos? Fazem alguma mágica?
- Talvez não seja uma questão de recursos, tia, mas de vontade de fazer, ou de capacidade de fazer, ou as duas coisas. 
-  Olha, se não fosse meu sobrinho me informando isso, eu acharia que é mais uma mentira que espalharam por aí, mas que fica difícil de acreditar, ah! Isso fica. 
- Bem, tia, é o que eu sei, se tem mais alguma coisa não posso dizer. 
- E os nossos vereadores, o que disseram sobre isso?
- Mantiveram a atitude presepial, o que combina bastante com a cultura asfáltica. 
- Mas não foi tu que elogiou o departamento de cultura, dizendo que as coisas estavam indo bem?
- Sim, tia, fui eu mesmo. Mas isso já faz algum tempo. 
- Então tu é o culpado dessas coisas.
- Eu, tia? Porque?
- Porque teus elogios causaram o efeito contrário, como estava funcionando e tu elogiou, acharam que estava errado. Esperavam críticas, como elas não vieram, pensaram que estavam fazendo a coisa errada. Então mudaram. É um tipo de gestão reversa. Tu é o responsável. 
- É muita responsabilidade para mim, tia. Não tenho tanta influência assim. 
- Bem, já que não teremos Feira do Livro, isso confirma o que disse uma amiga minha: ‘daqui para frente é só para trás’.