Todos militantes na organização “Pobres Ufanistas Totalmente Antissocialistas”, entidade sem fins lucrativos e que não utiliza uma sigla, temem não serem compreendidos pelos não iniciados

Meu amigo PDD me ligou com uma dúvida existencial. Usarei somente as iniciais. Ele pede que mantenha seu nome em segredo porque teme as reações dos seus colegas. Todos militantes na organização “Pobres Ufanistas Totalmente Antissocialistas”, entidade sem fins lucrativos e que não utiliza uma sigla, temem não serem compreendidos pelos não iniciados. Publicamente, eles se autodenominam “nosso grupo”, simplesmente. Vamos às dúvidas do meu amigo: 
- Como você sabe, eu sempre fui contra o Bolsa Família e de qualquer ajuda governamental. 
- Sei, você denominava de “bolsa-fome”, “bolsa-miséria”.
- Também chamei de “bolsa-cabresto”, “bolsa-mortadela”, “bolsa-vagabundo”. E fiz campanha contra nas redes sociais. 
- Até aí tudo bem. Era sua posição. Nas redes sociais vale tudo. 
- Pois é, quando mudou o governo achei que ia terminar essa “bolsa-esmola”, mas ao invés disso deram um décimo terceiro salário. Olha só! Sai um comunista e entra outro pior. 
- Não é bem assim. Ajudar os mais pobres não é comunismo, nem socialismo. É uma questão de solidariedade com os mais necessitados. Mesmo que você não acredite ou não aceite, somos uma das sociedades com grandes desigualdades. Essas iniciativas podem ser consideradas boas para o capitalismo, uma vez que o dinheiro será usado para consumo e ajuda a economia a girar. 
- Lá vem você com conversa de economia. Não é com isso que estou preocupado. É ideológico. Sou contra. Fiz propaganda contra, incentivei “nosso grupo” a lutar contra, não podemos facilitar nessas questões socialistas. Começa com uma pequena ajuda e em seguida estão todos vivendo do estado. 
- Ideologia é como crença, nem sempre está baseada na realidade, portanto, não precisamos discutir, qual a sua dúvida?
- Com a reforma trabalhista que, juraram resultaria em melhorias, meu trabalho virou intermitente, isso reduziu minha renda. Mas não reclamei. Enquanto esperava os benefícios da reforma, busquei outra alternativa, fui vender camisetas nas manifestações. 
- Isso foi o que muitos fizeram. Outros trabalham em mais de um emprego. Foi a saída para a nova realidade. 
- Nem me fale em nova realidade. Não bastasse a crise econômica que se arrastava, veio essa pandemia. Meu trabalho ficou mais intermitente ainda, intervalos cada vez maiores. As vendas de camisetas, com poucas manifestações pararam... Tentei até reciclar algumas antigas que eu tinha, alterei para “Somos todos CLOROquina”, mas não teve muita manifestação. Vendeu pouco.  
- Sinto muito. Esse é o risco de empreender. Mas você ainda não disse qual a sua dúvida. 
- Estou contextualizando para deixar bem claro que não tenho muita escolha. Quando permitiram o saque do FGTS, fiz a opção, retiro todo mês, mas ainda não é suficiente. Agora estou pensando numa medida drástica e radical. Nunca pensei em fazer, mas não tem mais jeito: Vou me inscrever para receber a ajuda emergencial. 
- Se você se enquadra nas condições é seu direito. Não vejo onde está o problema? 
- O problema é a lista. Como você deve saber andaram circulando as listas com as pessoas que receberam os benefícios. A intenção era mostrar os que não deveriam receber. Mas expõem todos os beneficiários.  
- Se você atende as condições estabelecidas não tem problema. 
- Mas se a lista cair nas mãos de alguém do “nosso grupo”. O que eu digo?
- Diga o que as “socialites” e os “indevidos” estão dizendo: eu fiz somente para testar... vou devolver... vou doar para uma instituição de caridade. E deixa por isso mesmo. 
PDD não respondeu. Acho que caiu a ligação.