Fascínio é a palavra que me define, e encanto, o sentimento que se faz quando vejo uma criança com seus dentes de leite que surgem como pedrinhas de brilhante

Fascínio é a palavra que me define, e encanto, o sentimento que se faz quando vejo uma criança com seus dentes de leite que surgem como pedrinhas de brilhante. O sorriso ilustra as primeiras palavras. A sensação é de deslumbramento, e o espetáculo em família se faz em forma de mágica. O tempo da infância atrai e une adultos que querem estar por perto, gerando satisfação e afetos entre gerações. O dito popular versa que aquele que visualizar o primeiro dente do bebê deve dar-lhe um presente em ouro. 
Por volta dos 7 anos de idade, a criança perde seus 20 dentes de leite. A lenda criada na França, no século VII, que versa que a Fada do Dente – na verdade, uma ratinha disfarçada – vem trocar o dente perdido por um mimo ou dinheiro, ajuda os pequenos a assimilarem a queda do primeiro deles: a perdas, seguem-se ganhos.
Em torno dos 12 anos se completa a dentição permanente. Por volta dos 18, surgem os dentes do siso, ou “do juízo” como diziam os antigos. Na expressão, inclusa a ideia de que não será permitido “pisar na bola”, pois a fase adulta chegou. Com ela, definições em evidência e perspectivas de presente e futuro. Em pauta, escolhas, estudos, profissão, oportunidades. O mundo diante dos almejos. Quase tudo ao alcance, com jeitos e ajeitos.
Vida que segue mediante conquistas, luta e labuta. Costumo repetir que tudo à vida pertence e tudo faz parte do viver. A vida é uma escola, especialmente quando surpreendidos por circunstâncias adversas. Conscientes disso, nos tornamos facilitadores à assimilação e acomodação do que nos acomete, amenizando desestruturações internas e ajudando-nos para alternativas assertivas. Certa ocasião, alguém me abordou dizendo: “inteligente é quem consegue resolver o mesmo problema de diferentes maneiras”. Lembro disso sempre que desafiada, mesmo nas simples ações do cotidiano, pois a frase me potencializou de forma positiva.
Apartes à parte, retorno ao tema relatando a experiência que tive recentemente ao extrair os sisos que acompanharam minha trajetória. Durante o atendimento, me vi em prantos, com lágrimas que corriam pela face. O profissional calmamente seguiu com o atendimento, sem entender e nem questionar, enquanto eu permanecia no procedimento com pontos a fazer. Logo depois, siso extraído e procedimento realizado, tentei explicar o sentimento que intensamente me acometeu. Eu deixava ali um pedacinho de mim, algo que ao longo da trajetória acompanhou-me no passo a passo. Naquela tarde, numa cadeira odontológica, voltei no tempo, nas perspectivas, pessoas e personagens que estiveram presentes na construção da minha identidade, enquanto os tardios dentilhões despontavam para completar a vida adulta num último sopro da adolescência.  
Naquele momento, a retirada dos sisos desencadeou sentimentos de perdas e ganhos: lá se ia mais um pouco de mim e do vivenciado, graças a parcerias e supremacias do Universo. No pranto, a tentativa de querer o passado, almejando segurar os dias e noites em que voejei com a mala amarela para o tudo e o outro tanto da caminhada. E por mais que tentasse explicar meus motivos ao dentista, mais enrolada ficava a explanação, enquanto os soluços me venciam. Constrangida, restou-me sair sem delongas. Que vergonha eu senti, especialmente por nunca me permitir baixar a guarda. Mas, como afirmei: tudo faz parte do viver. Nesse tudo está também o gosto da vida, pela vida e por vidas. O permitir-se desandar, erguer-se e voltar a andar faz parte do jogo, porque é pra frente e em movimento que tudo deve acontecer: do nascer dos primeiros dentes de leite à infinitude dos sentimentos e suas intensidades.