Maria de Lurdes Rech

Maria de Lurdes Rech

Cotidiano

Professora, pós-graduada em Métodos e Técnicas de Ensino pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), Maria de Lurdes Rech é autora do livro de crônicas Prosa de Mulher e do CD de crônicas e poemas Amor Maior, vencedora de diversos concursos literários em nível nacional. Membro da Academia Caxiense de Letras. Foi produtora e apresentadora do programa cultural Sábado Livre da rádio Flores FM de 2004 a 2012. Colunista do jornal O Florense desde 2007. Atuou na Secretaria de Educação, Cultura e Desporto de Flores da Cunha, onde coordenou a implantação dos Centros Ocupacionais da cidade. Exerceu a função de diretora e vice-diretora de escolas. Atualmente, realiza o trabalho de pesquisadora no Museu e Arquivo Histórico Pedro Rossi com o projeto Vozes do Tempo.

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Pobre menina

Hoje, a ‘pobre menina’ é essa, que vê a data do seu aniversário marcada por tais fatos.

A música da jovem guarda encantou e fez sonhar os que gostavam de ouvir rádio e os que podiam investir em vinis, acionando os toca-discos, hoje raridades. Entre as músicas que marcaram e embalaram as festas de aniversário e reuniões dançantes, estava a de Leno e Lilian intitulada Pobre Menina. Sonoridade, leveza, beleza e uma dose de dor de cotovelo, própria da adolescência: versos musicalizados que ainda soam aos ouvidos após terem marcado época para muitos cinquentões de hoje. 
Mas quisera eu poder continuar a discorrer sobre a letra e música da linda canção, dosada de certa ingenuidade. Dizia o refrão: Pobre menina, não tem ninguém. Referia-se ele à necessidade de as garotas terem, desde cedo, namorado, para efetivar matrimônio próspero e duradouro, grande valor da época.
Mas não é este, infelizmente, o foco a ser abordado, mas sim o ocorrido no último fim de semana em Caxias do Sul. Foi durante sua festa de aniversário de 15 anos que uma garota presenciou um tio matando o outro e suicidando-se em seguida. Dois irmãos em uma festa de família!
Era por volta da 1h30min – e supõe-se que o efeito do álcool já estivesse em ação – quando aconteceu a tragédia. A irmã dos envolvidos também foi ferida ao ser atingida por um tiro. Por mais que presenciemos a violência em escala exacerbada nos quatro cantos do país, fica difícil imaginar a cena tão forte. 
Hoje, a ‘pobre menina’ é essa, que vê a data do seu aniversário marcada por tais fatos. E sua avó, ao perder dois filhos amados e ver a terceira filha machucada. Tenho questionado sobre o que tem levado o ser humano a cometer tamanhas atrocidades e barbaridades. Ações que não há como justificar, sob qualquer hipótese. As atitudes fugindo do controle, da normalidade, do que é admissível ou compreensível. Brutalidades, assassinatos, assaltos, vidas ceifadas, traumas em pessoas de todas as idades. A população presencia, assiste e se obriga a admitir incapacidade e impotência em poder reverter o quadro das relações entre os iguais. 
O homem não nasce para exterminar seus pares. Vale questionar: o que está acontecendo? O que determina comportamentos agressivos e impensados? Será falta de cuidados e afetos na infância? Será falta de espiritualidade? Será a ausência e negligência dos pais em casa? Será a importância do ter sobre o ser? Será o ódio reprimido por vítimas de maus tratos aos infantes? Ou será loucura humana tomando conta dos espaços e ambientes sem que possamos reconhecer e identificar quem nos coloca em risco e perigo? Talvez a soma de todos os fatores.
Insanidades que devem nos manter em alerta no trânsito, nos estádios de futebol, nas baladas, na rua, no comércio, nos bancos, nos relacionamentos, nas famílias, no trabalho, nos negócios, em casa. Situações que nos intimidam a sair de casa, ir ao restaurante, ao cinema ou a festas noturnas. Paranoias do dia a dia em decorrência das circunstâncias, com quase nada sendo feito para coibir e evitar o pior. Com muitas acusações e poucas soluções ou respostas.
A violência não se trata apenas de tema relacionado à segurança pública e policiamento. O quadro deve ser analisado em abrangências e particularidades, em cada espaço ocupado, por profissionais da saúde, da educação, da política, da sociologia, pelas famílias e pelas igrejas, para ações imediatas, eficientes e eficazes que envolvam muitas frentes. 
É urgente a necessidade de tomada de atitudes e medidas preventivas assertivas para que se construa uma realidade menos desastrosa para daqui a 20 ou 30 anos. Infelizmente, o tempo não perdoa, apenas exigirá seu próprio tempo para as mudanças desejáveis.
Por fim, vale questionar e refletir: como estará a cabeça e coração da ‘pobre menina’, com seus 15 anos? Pare, pense e chore comigo. Desta vez, o dia dos pais ficará para trás.