Maria de Lurdes Rech

Maria de Lurdes Rech

Cotidiano

Professora, pós-graduada em Métodos e Técnicas de Ensino pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), Maria de Lurdes Rech é autora do livro de crônicas Prosa de Mulher e do CD de crônicas e poemas Amor Maior, vencedora de diversos concursos literários em nível nacional. Membro da Academia Caxiense de Letras. Foi produtora e apresentadora do programa cultural Sábado Livre da rádio Flores FM de 2004 a 2012. Colunista do jornal O Florense desde 2007. Atuou na Secretaria de Educação, Cultura e Desporto de Flores da Cunha, onde coordenou a implantação dos Centros Ocupacionais da cidade. Exerceu a função de diretora e vice-diretora de escolas. Atualmente, realiza o trabalho de pesquisadora no Museu e Arquivo Histórico Pedro Rossi com o projeto Vozes do Tempo.

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O renascer na reclusão

Passados mais de cem anos, a história se repete na nossa vulnerabilidade ao invisível

Era 1918 quando a moléstia altamente contagiosa percorria com extraordinária rapidez o mundo inteiro. A influenza espanhola. No começo, parecia um forte resfriado; depois, poderia atacar seriamente vias respiratórias ou aparelho digestivo. Muitos morriam. 
Na falta de hospitais e de isolamentos, em Caxias e região, os doentes tinham que avisar autoridades sanitárias sobre locais onde se alojavam para minimizar o contágio pela moléstia. Hotéis, pensões e residências coletivas eram inspecionadas, e todos orientados para cuidados especiais. A gripe se alastrava de forma assombrosa, inesperada e violenta. Situação anormal. A desinfecção rigorosa aconteceu em trens, automóveis, igrejas, armazéns, bagagens. Foram retirados porcos e outros animais de áreas urbanas, realizadas limpezas nas ruas e removidos entulhos. Aulas foram suspensas, igrejas foram fechadas, as aglomerações proibidas.
Naquele período, Nova Trento era atendida pelo médico e fármaco italiano Antonio Giuriollo, casado com Ida Falavigna. Dr. Giuriollo dava ênfase à necessidade dos hábitos e cuidados com higiene pessoal, água e alimentos. Por recomendações do médico, famílias adquiriram banheiras esmaltadas em cor branca, algumas ainda existentes nos antigos casarões.
Em entrevista para o projeto Vozes do Tempo, Carmelita Schiavenin Santini relatou-me que o sogro, Atílio Santini, passou pela comorbidade da gripe espanhola. Permaneceu em isolamento por 40 dias, quando ficou na casa de amigos que moravam no interior da Vila Nova Trento. O tratamento foi por ingestão de chás, caldo de galinha, limonada, purgantes, aspirina, além de o paciente ficar acamado e em isolamento. Na ocasião, a esposa, Angelina Picolli Santini, e seus seis filhos, permaneceram na casa da família, próxima ao convento dos Freis Capuchinhos. Após a quarentena, o esposo retornou para casa são e salvo.
Muitos dos cuidados adotados no passado se aplicam hoje à pandemia do novo coronavírus. Passados mais de cem anos, a história se repete na nossa vulnerabilidade ao invisível. Sujeitos à angústia que corrói na falta de respostas. Passado e presente estão unidos por uma necessidade planetária.
Sou convicta de que vamos vencer. Primeiro, as nossas tentações e medos. Por onde? Pelo desconstruído. Depois, pela nova forma e perspectiva de ver as pessoas e enxergar a vida. Como fazer? Aguardar, resguardar, olhar para dentro e para fora diante do inimigo invisível que desafia e amedronta, mas que, certamente, proporcionará um renascer após a reclusão.
Um dia, essa história poderá continuar sem mencionarmos a gripe espanhola de 1918/1920 ou o coronavírus de 2020. Mas, sim, para falarmos em planos, perspectivas, recomeços. Os que realmente valerem a pena. No meu caso, bem mais próxima à natureza, porque é nela que encontro o refúgio e a divindade.