Maria de Lurdes Rech

Maria de Lurdes Rech

Cotidiano

Professora, pós-graduada em Métodos e Técnicas de Ensino pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), Maria de Lurdes Rech é autora do livro de crônicas Prosa de Mulher e do CD de crônicas e poemas Amor Maior, vencedora de diversos concursos literários em nível nacional. Membro da Academia Caxiense de Letras. Foi produtora e apresentadora do programa cultural Sábado Livre da rádio Flores FM de 2004 a 2012. Colunista do jornal O Florense desde 2007. Atuou na Secretaria de Educação, Cultura e Desporto de Flores da Cunha, onde coordenou a implantação dos Centros Ocupacionais da cidade. Exerceu a função de diretora e vice-diretora de escolas. Atualmente, realiza o trabalho de pesquisadora no Museu e Arquivo Histórico Pedro Rossi com o projeto Vozes do Tempo.

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O poeta - de Délcio Tavares a Caetano Veloso, para o mundo

Recentemente, em apresentação envolvendo música nativista e italiana, Délcio Tavares, com sua versatilidade, nos presenteou com Mérica, Mérica, de autoria de Angelo Giusti

As lives, em suas diversas modalidades, têm sido apreciadas nesses tempos bicudos e sem precedentes. Recentemente, em apresentação envolvendo música nativista e italiana, Délcio Tavares, com sua versatilidade, nos presenteou com Mérica, Mérica, de autoria de Angelo Giusti. Assim como já fez Caetano Veloso, cuja versão gravada fez parte da trilha sonora do filme O Quatrilho.
Ao reverenciar o poeta Angelo Giustti, nascido na Itália em 1848, apraz-me mencionar minha tia-avó, Anuncia Sandi Verdi, hoje com 95 anos. Ela relatou que as famílias dos imigrantes Antonio Sandi, João Sandi e Vitório Sandi eram vizinhas da família Giusti. O que os separava e ao mesmo tempo os unia era o Rio São Marcos.  Ela ainda lembra que, ao ir e voltar da roça, agricultores costumavam realizar cantorias, hábito comum entre os italianos, herdado dos antepassados. 
Emocionou-se ao me contar que quando as famílias Sandi cantavam pelas redondezas do Rio das Antas, a família Giusti a elas se unia, entoando a mesma canção, no mesmo tom. Uniam-se, assim, em forma de parceria, melodia e oração, ao eco das verdes matas. Ao quebrar o silêncio, nas marcas de longos passos dados com a enxada na mão, o contato entre vizinhos nessas terras virgens se efetivava de forma alegre e radiante.
Entre as canções, estavam Mérica, Mérica, El massolin dei fiori, La bella violeta. Essas, cantadas como revoar de anjos também pela avó Amábile Sandi Rech e os irmãos, Anuncia, Anselmo, Atílio, Amadeo, Arthur, Afonso, Assunta, Angelina, Angelin e Ancila. Todos filhos de Onorata Boff Sandi e Vitório Sandi, meus bisavôs.
Angelo Giusti fez parte da primeira geração de imigrantes em nossa cidade. Foi agricultor, conselheiro municipal e poeta. Em versos, deixou o seu legado. Neles, expressava a grande influência da religiosidade e contava fatos do cotidiano. Costumava escrever logo após o almoço, em tabuletas de madeira e usando carvão, enquanto passava o dia na roça. À noite, transferia seus escritos para o papel.
Também compunha letras para a Banda Garibaldi, inaugurada em 1898, e para o coral da Igreja, na época coordenado pelo padre Luiggi Centin e pelo frei Exupério, que musicava os poemas. 
Por ser alfabetizado, algo raro na época, era bastante requisitado pelos outros moradores. Lia cartas recebidas pelos imigrantes e escrevia outras tantas para enviar notícias aos conterrâneos europeus, a pedido dos interessados.
Giusti possuía uma charrete puxada por um cavalo branco, meio de transporte utilizado para se deslocar até Nova Trento, distante dez quilômetros de sua propriedade rural, de beira de estrada. Apesar de dois casamentos, não teve filhos biológicos; adotou um menino e teve netos. Faleceu em 1929, aos 81 anos, e está enterrado no cemitério da Capela Nossa Senhora do Carmo, interior de Flores da Cunha. 
Sua obra mais conhecida, Mérica, Mérica, é hino oficial da imigração italiana no Rio Grande do Sul desde 2005. Em seu túmulo, pediu que escrevessem: Qui giá Angelo Giusti. Fu poeta di poco valore. La sua anima é partita. A render conto a Nostro Signore.
Hoje, uma placa fixada próximo ao campanário da Igreja Matriz o homenageia. Meu lamento é que, ano a ano, nos distanciamos de nossos antepassados. Artistas, personagens, grandes figuras como Angelo Giusti, que, a passos largos, vamos deixando esmorecerem entre escombros do tempo e paredes mofadas. Isso ocorre enquanto deixamos de manter viva a sua obra e de reconhecer a sua importância através da arte e dos meios culturais locais. Com alguma sorte, sua memória fica preservada em algum letreiro despercebido pela cidade.