Maria de Lurdes Rech

Maria de Lurdes Rech

Cotidiano

Professora, pós-graduada em Métodos e Técnicas de Ensino pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), Maria de Lurdes Rech é autora do livro de crônicas Prosa de Mulher e do CD de crônicas e poemas Amor Maior, vencedora de diversos concursos literários em nível nacional. Membro da Academia Caxiense de Letras. Foi produtora e apresentadora do programa cultural Sábado Livre da rádio Flores FM de 2004 a 2012. Colunista do jornal O Florense desde 2007. Atuou na Secretaria de Educação, Cultura e Desporto de Flores da Cunha, onde coordenou a implantação dos Centros Ocupacionais da cidade. Exerceu a função de diretora e vice-diretora de escolas. Atualmente, realiza o trabalho de pesquisadora no Museu e Arquivo Histórico Pedro Rossi com o projeto Vozes do Tempo.

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O menino dos olhos azuis

Mesmo por meio do amor incondicional de mãe, as tentativas com receitas caseiras para o restabelecimento físico não surtiram bons resultados, o que hoje seria facilmente resolvido ou amenizado com cirurgias corretivas.

Era outono, mais precisamente, 13 de março de 1931. Nascia, na casa de tábuas largas, o menino dos olhos azuis que seria o protagonista de uma história que hoje se transforma em crônica. Ele foi o segundo dos oito filhos do casal, descendente de italianos vindos de Seren Del Grappa, Belluno, Itália, para tentar a vida no Brasil.
Em meio ao povoado denominado Capela de Santa Catarina, protetora dos estudantes, e com a escola que hoje leva o nome do seu pai, o menino nascia robusto, crescia e desfrutava da exuberante natureza que abrigava rios, cachoeiras, matas, bosques, campos e as abundâncias da fauna campesina. Assim, pode explorar até os oito anos de idade.
Por ter sido acometido por uma paralisia infantil, caminhava com alguma dificuldade, o que não o impedia de ser feliz e executar peraltices. Este motivo fez com que seus pais o levassem para outro município, para estudar e aprender ofícios que não exigissem esforço físico. Frágil, tímido e sensível, precisou deixar a família, seu quarto, os amigos, as pescarias e os hábitos interioranos para enfrentar outras realidades, longe do cantar dos pássaros e das cigarras que abrilhantavam as brincadeiras e encantos da sua infância.
Mesmo por meio do amor incondicional de mãe, as tentativas com receitas caseiras para o restabelecimento físico não surtiram bons resultados, o que hoje seria facilmente resolvido ou amenizado com cirurgias corretivas.
Ao ter que conviver com estranhos, a saudade e a tristeza pela distância dos seus, tomavam-lhe conta a cada anoitecer, quando altos morros acolhiam o sol para o seu repouso. A cada dia, a esperança, por alguém que viesse buscá-lo e levá-lo para casa, mas isso não acontecia, nem mesmo durante as férias escolares, para que, na visão dos adultos, se acostumasse a viver apenas na cidade. A criança, fragilizada e sensibilizada, nunca compreendeu a intenção dos pais. Essa mágoa o acompanhou por toda a vida.
Dono de uma caligrafia impecável e outras habilidades manuais, aprendeu a confeccionar calçados personalizados, tocar instrumentos musicais e a fotografar em preto e branco. Com seu trabalho veio o sustento, com a música, as serenatas e a alegria de muitas pessoas nas festas familiares e, com a máquina fotográfica, o registro do que tinha de melhor para marcar fatos da época.
Acreditava em sorte, destino, números e numerologia, provisões e profecias. Como bom pisciano, gostava do misticismo e das artes. Ele era contemplativo. Sofria com certas atitudes dos humanos, mas confiava sempre num futuro melhor. Para casar escolheu a data de 13 de julho. Sua Carteira de Identidade portava o numeral 13. Ao padecer, ocupou o quarto de número 13, tendo partido no dia 13 de maio. Com medo da morte e da solidão, partiu com serenidade, num momento de descuido e com minha presença.
Hoje, resta a saudade do menino dos olhos azuis que fez e construiu a história, conforme sua condição permitiu, necessitando da força física e interior de outras pessoas em muitas ocasiões, mas com força de vontade para superar desafios, dificuldades e limitações. Sentimental e afetivo, respeitoso e honesto, primou por justiça e igualdade entre as pessoas, deixando assim o seu legado.