Maria de Lurdes Rech

Maria de Lurdes Rech

Cotidiano

Professora, pós-graduada em Métodos e Técnicas de Ensino pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), Maria de Lurdes Rech é autora do livro de crônicas Prosa de Mulher e do CD de crônicas e poemas Amor Maior, vencedora de diversos concursos literários em nível nacional. Membro da Academia Caxiense de Letras. Foi produtora e apresentadora do programa cultural Sábado Livre da rádio Flores FM de 2004 a 2012. Colunista do jornal O Florense desde 2007. Atuou na Secretaria de Educação, Cultura e Desporto de Flores da Cunha, onde coordenou a implantação dos Centros Ocupacionais da cidade. Exerceu a função de diretora e vice-diretora de escolas. Atualmente, realiza o trabalho de pesquisadora no Museu e Arquivo Histórico Pedro Rossi com o projeto Vozes do Tempo.

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Novas realidades

O mundo não é algo estanque, isso é certo, mas há essências que, se preservadas, certamente seguiriam gerando belas colheitas

Em tempos pretéritos desfrutei de muitas certezas, mas também de utopias. Assim segui e conquistei propósitos bem-sucedidos. Hoje, com pés no chão e alma acalentada, outras concepções me norteiam ao observar, sentir, concluir e desfrutar ou refutar.
Por isso, confesso que em meus momentos de circulação pela cidade, ver comércios tradicionais fechando as portas, outros sobrevivendo com proprietários perguntando ‘onde anda o povo desta cidade?’ é motivo de desapontamento pessoal.
Em data não distante, uma farmácia foi inaugurada onde existia um bistrô, no coração da cidade. Isso surpreendeu os assíduos frequentadores, ressaltando que, dentre tantas já existentes, uma nova unidade vai abrir as portas na zona sul do município, muito em breve. 
Neste mesmo coração, há uma praça há pouco reformulada. Mas, neste ano, sem a realização da que seria a 44ª edição da Feira do Livro de Flores da Cunha, que teve sua primeira edição na administração de Claudio Rugero Bedin, antes professor, depois prefeito.
Grupos fechados e enrijecidos esfriam convivências. Ninguém sai e poucos adentram. Os donos da verdade em seus apontamentos certeiros são perfeitos e intocáveis. As unilateralidades se autossustentam, sem aberturas.
Na cidade apreciável, digna de elogios em sua parte física, em que particulares cuidam de seus espaços, casas, jardins, onde há trabalho, academias para autocuidados, hospital de muitas mãos, empresas prósperas, automóveis perolados, clube, comércio diversificado, consultórios, boas escolas, serviços de toda ordem, parece haver um vácuo de integração e humanidade.
Aqui uma reflexão exposta, com abstratos reais e concretos evidentes. Também ciente de que tudo é processo, e a evolução do tempo leva à culminância dos fatos e feitos. Mas, à parte das mudanças que os anos naturalmente trazem, a questão que surge é: o que fazer para ter uma cidade de 31 mil habitantes mais acalorada, culturalmente mais dinâmica e criativa, vibrante em vivências e novas experiências? Com um povo mais aberto e participativo, valorizando, inclusive, o passado e seus rastros esculpidos (hoje, porém, esquecidos).
O mundo não é algo estanque, isso é certo. Mas há essências que, se preservadas, certamente seguiriam gerando belas colheitas. Delas, fazem parte a vivência humana e todo o seu potencial afetivo, criador, transformador. E então, quais são as que estamos preservando? Quais são as que estamos buscando?
O encerramento da edição impressa do Jornal O Florense, após 37 anos, também é marco desta transformação. Sua relevância na prestação de serviço enquanto veículo de comunicação para informação, valorização da cultura e da história local e, como tal, para registro e construção dessa história e até mesmo de uma identidade local é inquestionável. O Florense tem sido fomentador e testemunha de tudo o que esta comunidade já foi capaz de realizar em sua vivacidade. Esses feitos estão eternizados em suas páginas. A impossibilidade de tocar em suas folhas a cada sexta-feira vai deixar uma saudade. 
Sou convicta de que quando corações calam, as almas padecem, a vida entristece, a solidão emana e as pessoas adoecem. 
A cidade precisa ser acordada. Pessoas se juntarem para criar e recriar, inovar, vibrar, participar, com o coletivo focado em convivências não apenas na gramática dos dicionários, mas na prática do cotidiano. Aqui, algumas abordagens e o convite para reflexão, na acepção da palavra. Ressaltando que concordâncias e dissidências fazem parte do processo, especialmente quando realidades precisam ser recriadas.