Maria de Lurdes Rech

Maria de Lurdes Rech

Cotidiano

Professora, pós-graduada em Métodos e Técnicas de Ensino pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), Maria de Lurdes Rech é autora do livro de crônicas Prosa de Mulher e do CD de crônicas e poemas Amor Maior, vencedora de diversos concursos literários em nível nacional. Membro da Academia Caxiense de Letras. Foi produtora e apresentadora do programa cultural Sábado Livre da rádio Flores FM de 2004 a 2012. Colunista do jornal O Florense desde 2007. Atuou na Secretaria de Educação, Cultura e Desporto de Flores da Cunha, onde coordenou a implantação dos Centros Ocupacionais da cidade. Exerceu a função de diretora e vice-diretora de escolas. Atualmente, realiza o trabalho de pesquisadora no Museu e Arquivo Histórico Pedro Rossi com o projeto Vozes do Tempo.

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Negligências

A ponte será reconstruída, mas a perda de uma vida foi necessária

Um grande desafio tem sido manter autocontrole emocional para não conectar-se às dores do cotidiano, evitando corroborar para depressões e comorbidades, aos mais propensos. Basta acessar redes sociais e mídia em geral para estar diante de problemas de toda ordem, desnutrição infantil, guerras, desastres naturais ou provocados, que ceifam vidas. 
Tem chamado atenção a quantidade de casos que envolvem incidentes com vítimas em locais como parques de diversões com atrativos em alturas, espaços de atrações turísticas, estradas, rios, moradias em penhascos. Até mesmo selfies registradas em locais e situações arriscadas. Temas que sinalizam para reflexões, atitudes e providências, envolvendo um a um, para se chegar à conscientização.
A cidade de Torres, onde inúmeros moradores da Serra veraneiam, teve, neste verão, 71% de aumento nos casos de salvamentos por afogamento, negligência dos banhistas. O município também registrou o vazamento em tanques de gasolina subterrâneos, colocando parte da cidade em risco. A manchete em destaque nacional tem sido a fatalidade na ponte pênsil sobre o Rio Mampituba, fato ocorrido após o término da festa de Carnaval, quando cerca de 60 pessoas se deslocavam de Passo de Torres (SC) rumo a Torres e, na ocasião, caíram nas águas do rio de 10 metros de profundidade. A tragédia vitimou Braian Grando, de 20 anos, primogênito de Cristiane, 48 anos, mãe de 6 filhos.
Caxiense, Braian havia se mudado há cerca de três meses para o litoral em busca de trabalho e estava em experiência de emprego num mercado de Torres. Menino quieto, recatado e com a preocupação em manter o cargo para ajudar a mãe a criar os irmãos, incluindo um bebê de 12 meses.
Naquela noite, com sua bicicleta, saiu de casa para vislumbrar o que há de mais belo para o auge da juventude: amigos, meninas, música, dança; uma dose de alegria para amenizar a dureza da realidade. Por volta de 2h40min, 20 de fevereiro, a última mensagem para o celular da mãe: Estou voltando pra casa! Palavras que dão alento para todas as mães que só conseguem dormir depois que escutam a porta de casa se abrir na chegada dos filhos, especialmente das noitadas.
Restou o meio de locomoção no outro lado da ponte. O dono não retornou por negligência dos ocupantes da passagem, bem como das autoridades dos dois municípios. Foi engolido pela profundidade do rio de águas poluídas. Na queda, Braian entrou em desespero. O pânico não permitiu que fosse ajudado, relatou um rapaz que diz tê-lo segurado pela mão e, depois, logo o viu desaparecer. Outros conseguiram vencer o desafio de forma surpreendente, a exemplo de um jovem que afirmou ter aprendido a nadar naquela ocasião, conseguindo escapar ileso da tragédia. Restou o luto da mãe em desespero, sem forças para reagir, ajoelhada sobre a areia, diante de um corpo frio, após afirmar, até o último instante, que ainda tinha esperança de ver o filho voltar para casa.
No que tange a usuários de espaços em geral, vemos pessoas mais relapsas para o autocuidado, distraídas, desatentas a normas, confiantes de que nada vai lhes acontecer, mesmo diante de perigos preanunciados. No que se refere a administradores, lhes falta a percepção para fazer preventivo, por vezes, esquecendo-se da responsabilidade sobre o que é do uso coletivo. 
A ponte será reconstruída, mas a perda de uma vida foi necessária, enquanto de burocracia em burocracia, mesa em mesa, cadeira em cadeira, muito fica para depois. O tarde demais em evidência, até que o próximo caso venha a ocorrer em outros lugares, por diferentes motivos. Visão, vontade, viabilidades, componentes imprescindíveis para quem está à frente, seja no público ou privado. Nada fácil, porém necessário.