Maria de Lurdes Rech

Maria de Lurdes Rech

Cotidiano

Professora, pós-graduada em Métodos e Técnicas de Ensino pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), Maria de Lurdes Rech é autora do livro de crônicas Prosa de Mulher e do CD de crônicas e poemas Amor Maior, vencedora de diversos concursos literários em nível nacional. Membro da Academia Caxiense de Letras. Foi produtora e apresentadora do programa cultural Sábado Livre da rádio Flores FM de 2004 a 2012. Colunista do jornal O Florense desde 2007. Atuou na Secretaria de Educação, Cultura e Desporto de Flores da Cunha, onde coordenou a implantação dos Centros Ocupacionais da cidade. Exerceu a função de diretora e vice-diretora de escolas. Atualmente, realiza o trabalho de pesquisadora no Museu e Arquivo Histórico Pedro Rossi com o projeto Vozes do Tempo.

Contatos

Marcão

A quem competem as decisões e atitudes para as possíveis soluções dos tantos problemas desse país...

O personagem da vida real caracteriza-se pela simpatia e outras qualidades de um bom cidadão brasileiro. Com cerca de 30 anos, Marcão está entre os trabalhadores desse país que se desdobram em três para dar conta das despesas, da vida em família e da boa convivência social.
Desde as primeiras horas da manhã, o rapaz, de estatura avantajada e cabelos longos, carrega e descarrega centenas de quilos de hortifrutigranjeiros vendidos na fruteira onde trabalha. Após o dia de labuta, Marcão exerce a função de eletricista, fazendo pequenos reparos.
Ele divide a conta do aluguel e outros compromissos da vida adulta com Hellen, a bela morena, grávida de seis semanas, que contempla as roupinhas e expectativa da chegada do filho.
Mesmo exausto, Marcão atende a todos com prontidão. Saracoteia de um lado para outro da fruteira, busca o melhor pêssego, a maior couve-flor e o melhor vinho para o freguês exigente, sem perder a calma e o sorriso no rosto alongado.
Entre uma atividade e outra, o bom homem ajuda a quem dele necessitar, demonstra ser solidário e disponível, preocupa-se com a saúde e o bem-estar dos outros. Nas conversas, expressa o gosto por um bom bate-papo, ao conquistar amigos em cada nova experiência de interatividade. Nas poucas horas de folga, passeia de mãos dadas com sua amada e curte o pôr do sol da sacada do apartamento de dois cômodos.
Esforçado, focado e ciente de suas responsabilidades, Marcão é mais um dos milhões de brasileiros que, sugados pelo dia a dia exaustivo, ainda são obrigados a conviver com o drama da síndrome congênita do zika e o medo das condições de saúde do seu primogênito. Repleto de dúvidas e angústias, vê no jornal e no cotidiano hospitais superlotados, insegurança pública, impostos e juros cada vez mais elevados, corrupção, inflação exorbitante, indústrias e comércio fechando as portas pelo cenário econômico instável e poucas perspectivas de melhora na situação do país, tão carente de lideranças competentes. Mesmo assim, lá está ele: com a certeza de que ainda dispõe da força física, segue suado, carregando e descarregando quilos e mais quilos de produtos, diariamente.
Neste Brasil nos acostumamos assim, certo? As dificuldades vêm, mas se continua a dar jeito de fazer a roda girar...
E assim como Marcão, vão mais de 200 milhões de brasileiros: com algum inconformismo e alguma dose de passividade, empurrando a vida com a barriga. Buscam forças na rotina do trabalho (com as preces para que o emprego ainda exista amanhã), na família, nos amigos e nos pequenos prazeres. O carrinho do supermercado tem cada vez menos produtos. E, pouco a pouco, adaptam-se às novas condições para dar um rumo à própria vida em meio a um país desnorteado. Porque, quase parafraseando Vinícius de Moraes, mais que tudo é preciso continuar. Afinal, a quem competem as decisões e atitudes para as possíveis soluções dos tantos problemas desse país...