Maria de Lurdes Rech

Maria de Lurdes Rech

Cotidiano

Professora, pós-graduada em Métodos e Técnicas de Ensino pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), Maria de Lurdes Rech é autora do livro de crônicas Prosa de Mulher e do CD de crônicas e poemas Amor Maior, vencedora de diversos concursos literários em nível nacional. Membro da Academia Caxiense de Letras. Foi produtora e apresentadora do programa cultural Sábado Livre da rádio Flores FM de 2004 a 2012. Colunista do jornal O Florense desde 2007. Atuou na Secretaria de Educação, Cultura e Desporto de Flores da Cunha, onde coordenou a implantação dos Centros Ocupacionais da cidade. Exerceu a função de diretora e vice-diretora de escolas. Atualmente, realiza o trabalho de pesquisadora no Museu e Arquivo Histórico Pedro Rossi com o projeto Vozes do Tempo.

Contatos

Infância – final

O ciclo da vida é processo e, como tal, impulsiona a todos a compartilharem dessa roda gigante que leva aos altos e baixos da existência.

Criança precisa tocar nos objetos para com eles interagir. Olhar apenas seria restringir-se diante de um mundo pleno de novidades, cores e imagens que fazem o desejo da exploração aflorar à pele. Não fosse assim, a experiência seria apenas virtual e inócua. Nos labirintos da infância habita o medo da bruxa, do saci, do escuro, dos raios e trovões em que a carroça cheia de pedras que transita sobre as nuvens é sempre a culpada.
Criança sonha com bicho papão, tem inseguranças, vontades, manhas, birras, desejos, ganhos e perdas, brigas com irmãos para aprender a se defender e driblar os percalços que comprovam, desde cedo, que o jogo da vida é duro.
Infância tem balões coloridos em dia de festa e com eles a própria identificação, pois, quando cheios, guardam em si expectativas futuras, como as sementes que um dia germinarão nos jardins das estações.
Na memória, fica gravado o sabor das iguarias que somente aquela com mãos de fada sabe fazer, quando toca sua varinha mágica no caderno de receitas e que lhe dá poderes para transformar ovos e açúcar em suspiros e papos de anjo. Permanecem na lembrança os potes em que a vovó guarda os biscoitos decorados e balas que fazem viajar pelas formas, cores e detalhes que açucaram olhares tanto quanto chamam a atenção da infantilidade.
Infância feliz incide em adolescente tranquilo, adulto sereno e idoso com boas lembranças e histórias para contar. O ciclo da vida é processo e, como tal, impulsiona a todos a compartilharem dessa roda gigante que leva aos altos e baixos da existência.
O tempo pode envelhecer a tudo, menos as lembranças da infância com os detalhes e particularidades que lhe são pertinentes até que, um dia, quando os cabelos já estiverem nevados, voltaremos a ela e passaremos novamente a gostar de leite e sopas, a usar o antigo cavalinho de pau que servirá de apoio, a falar sozinhos e trocar ideias com anjos e amigos imaginários, a querer atenção, companhia e afeto.
Um dia voltaremos a gostar das histórias. Não daquelas que nos contavam antes de entoar as cantigas de ninar para o adormecer tranquilo, mas aquelas onde fomos protagonistas e sentimos alegria e satisfação, quando alguém para e escuta os fatos que relatam o percurso dessa longa viagem. Viagem com passagem que permite idas e voltas a um passado que, embora distante, ainda é presente, por estar contido na caixa mágica que guarda as emoções vividas desde um começo sem que o tempo seja empecilho para se retornar a elas.
E de história em história ficaremos na expectativa de que, quando chegar a hora da partida, teremos a possibilidade de renascer para reviver a infância, doce infância, num plano superior, onde estarão os anjos e os velhos amigos nos aguardando de braços abertos para juntos praticarmos as aventuras e peraltices dessa nova estação.