Escadas
Talvez o inconsciente ativado instigue, pois, a meu ver, elas elevam, incitam para o “vá em frente, conquiste, siga, prossiga”
Desde a tenra idade, escadas me fascinam. Talvez o inconsciente ativado instigue, pois, a meu ver, elas elevam, incitam para o “vá em frente, conquiste, siga, prossiga”.
Dia desses, passava por uma delas, cuja construção à que deu acesso por dezenas de anos estava totalmente desfeita. Ela, contudo, permanecia ali, solitária, plena de musgos, com poucos degraus que culminam em minúsculas flores lilases que a natureza deu conta de preservar. Nela fixei o olhar e imaginei quantos passos foram dados, quantas histórias vivenciadas, quantos começos e recomeços. Hoje, apenas um resquício em terreno baldio, bem valorizado no setor imobiliário: a escada, envelhecida e silenciosamente aguardando por outras pessoas e novos destinos ao espaço, sabedora de que ainda será útil para chegadas ao topo, acima do nível da rua.
Quando criança, residi em moradas onde havia escadas. Na vida adulta, construí casa com degraus e outros tantos. Aprecio cada um deles para além do decorativo, pois, diante dos aclives e declives da região, são necessários em áreas internas e externas de construções.
No centro da cidade, há uma glamurosa escadaria feita de tijolos à vista. No coração de Flores da Cunha, ela traz recordações de muitas mulheres que a escalaram para dar à luz ou buscaram cura para familiares através da medicina. Felizmente, foi preservada aquela que abria caminho para o antigo Hospital Santa Terezinha, construído em 1930. Na época, o hospital pertencia à prefeitura e, a partir de 1947, passou a ter como proprietário o médico Antonio Tássis Gonzales. Do prédio, com 15 leitos, restaram apenas lembranças e agradecimentos; mas ela continua lá, intacta, majestosa, para dar acesso à morada da família dos atuais proprietários.
Construída por Giocondo Breda e seu filho, Osvaldo, a obra de arte de 30 degraus exibe suas curvas diante da Avenida 25 de Julho, na esquina com a Rua Maria Dal Conte. Belos portões de entrada e uma araucária quase centenária a ornamentam.
Giocondo aprendeu com o pai, Giovanni, o nobre ofício. Giovanni, imigrante italiano, foi casado com Catharina Zanetti Breda. Juntos tiveram 18 filhos. Ele, vindo de terras distantes, além-mar, com a habilidade de entalhar pedras brutas, deu vida ao endurecimento e à frieza causados pelo tempo. Giovanni e o filho, Giocondo, artistas na área, também entalharam diversos adereços para diferentes espaços, sendo muitos dos trabalhos realizados em formatos arredondados.
Círculos são um sinal de continuidade e perseverança. Imagens associadas aos planetas, ao sol, ao feminino, formas curvadas que passam um ar de mistério. Giovanni e Giocondo gostavam deles, os que circundavam para que nada findasse. Residentes em Nova Roma, entalharam utensílios domésticos, tanques, enfeites, banheiras e peças decorativas.
Lamentável que nem todas as memórias do tempo deixaram de ser apagadas, a exemplo daquelas que esses imigrantes haviam esculpido para condecorar feitos e fatos da cidade, cujas mesmas estavam na antiga Praça da Bandeira e que, inconsequentemente, foram transformadas em poeira ao vento.