Algodão doce
Lamentável e inaceitável o destino desses garotos que, na infância, carregam nas mãos o algodão doce e na alma a esperança e ilusão de que família, escola e sociedade sempre garantirão formação, proteção, dignidade e sustentabilidade.
O menino era o filho mais velho do primeiro casamento da jovem senhora. Do segundo relacionamento da mãe, vieram outros cinco irmãos.O garoto de oito anos trabalhava com o padrasto como catador autônomo na coleta de lixo seletivo. A irmã estudava na mesma escola, mas era cuidada pela avó paterna e, ali, era o único ponto de encontro e convivência entre os dois. Leo chegou à escola do centro da cidade, onde foi bem recebido por professores, dotados de paciência, competência e, acima de tudo, muito afeto.
Com dificuldade na aprendizagem, o menino recebia atenção especial da professora alfabetizadora pela qual ele se apaixonou, com sua alma angelical e plena de docilidade.
Quando o garoto entrava na sala de aula, portas e janelas precisavam ser abertas. Pelo contato permanente com o lixo e a falta de hábitos e condições de higiene, exalava um odor insuportável. Mesmo assim, sua mão era tocada pelas mãos da professora, para que o contorno da letra fosse perfeito. Para que a escrita se efetivasse o mais breve possível. Para que o desenho fosse colorido e Leo pudesse voar pela imaginação, sendo feliz nesse espaço mágico.
Lembro que, numa das atividades festivas, ele, muito sorridente, correu em direção à professora com um algodão doce entre as mãos e entregou a ela. Para quem não tinha quase nada, doar algo considerado o melhor, comprovava ter coração de ouro. Sobrevivendo a cada desafio, frequentou esta escola até o 3º ano.
A atenção da mãe e do padrasto, nesse período, era dedicada ao irmão de colo e à nova gravidez. Assim, Leo foi morar com o pai biológico. Migrou para a cidade grande e lá passou a conviver com a vulnerabilidade e em precárias condições. Mais tarde, comprou um carro e anualmente, no Dia das Mães, trazia flores e o abraço a sua progenitora. O seu coração continuava o mesmo, mas os interesses já eram outros. Leo desvirtuou-se e passou a viver no mundo do tráfico, vislumbrado por outros caminhos.
Assim, não demorou muito para que recebêssemos a desagradável informação. Nosso ex-aluno havia sido baleado por comparsas, antes de completar 20 anos. Ao sabermos do fato, lembramos o gesto carinhoso e atitude afetiva. Mencionado como ‘o menino do algodão doce’ sentimos o peito apunhalado. Leo passou a ser apenas mais um a compor a elevada estatística dos crimes violentos fatais e homicídios entre jovens.
Lamentável e inaceitável o destino desses garotos que, na infância, carregam nas mãos o algodão doce e na alma a esperança e ilusão de que família, escola e sociedade sempre garantirão formação, proteção, dignidade e sustentabilidade. Por que tem que ser assim?