Maria de Lurdes Rech

Maria de Lurdes Rech

Cotidiano

Professora, pós-graduada em Métodos e Técnicas de Ensino pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), Maria de Lurdes Rech é autora do livro de crônicas Prosa de Mulher e do CD de crônicas e poemas Amor Maior, vencedora de diversos concursos literários em nível nacional. Membro da Academia Caxiense de Letras. Foi produtora e apresentadora do programa cultural Sábado Livre da rádio Flores FM de 2004 a 2012. Colunista do jornal O Florense desde 2007. Atuou na Secretaria de Educação, Cultura e Desporto de Flores da Cunha, onde coordenou a implantação dos Centros Ocupacionais da cidade. Exerceu a função de diretora e vice-diretora de escolas. Atualmente, realiza o trabalho de pesquisadora no Museu e Arquivo Histórico Pedro Rossi com o projeto Vozes do Tempo.

Contatos

Águas de março

Mulheres heroicas, que diante dos partos difíceis tinham somente à mãe Maria a quem recorrer e que exaltando a fé diante das imagens mais sagradas, pediam proteção e ajuda para enfrentar dificuldades.

Ao reverenciar a mulher, lembro em especial das avós e bisavós de minha etnia. Mães com elevado número de filhos, pois tiveram a incumbência de reproduzir para povoar e fomentar a mão de obra necessária para a lida na terra. Mulheres que, desde muito cedo, confeccionaram enxovais com rendas, bordados e crochês em tecidos de algodão branco, para depois mergulharem no prometido mar de rosas, que nem sempre eram vermelhas.
Elas que usaram lenços e aventais, despertaram amores e encantaram as aves que distraidamente gorjeavam, e com elas se identificavam, pois juntas percorriam distâncias em meio a trigais e milharais para alimentar suas crias. Mulheres heroicas, que diante dos partos difíceis tinham somente à mãe Maria a quem recorrer e que exaltando a fé diante das imagens mais sagradas, pediam proteção e ajuda para enfrentar dificuldades.
Seres fortes que a ferro e fogo lavaram, passaram, cozinharam, costuraram, rezaram, deram banho nas suas crianças e foram para a lida na roça, sem que houvesse qualquer recurso para auxiliá-las nos afazeres. Mulheres afetivas que permanecem na lembrança dos filhos, netos e bisnetos, pelas demonstrações de afeto que brotava do colorido de suas almas e corações, enquanto confeccionavam bonecas e bichinhos de pano para agradá-los, e casaquinhos de lã que serviram para aquecê-los nas noites mais frias dos invernos do Sul. Por isso, ainda hoje são lembradas por uma beleza interior fascinante, que tão bem souberam cristalizar.
Seres especiais que continuam em nossa memória, não como reminiscências, mas como ninfas, que nos retratos em preto e branco, fixados às paredes, emitem a cor intensa das suas auras, o verde dos olhos que incitava para a esperança, e o azul que fazia acender o céu dos seus amanheceres, para os dias de intensa labuta nas terras cobertas de parreirais. Nas fotografias percebe-se a sutileza e serenidade dos olhares que ainda permanecem. O tempo, inerte, não as envelheceu e não apagou, nem diminuiu a força interior e a coragem que tiveram para enfrentar a vida com os obstáculos da época em que viveram.
Pessoas que também carregaram desejos, vontades e vaidades que, por vezes e circunstâncias, precisaram ser reprimidos, porque viveram em tempos onde a condição de mulher ainda era de opressão e submissão. Mulheres tímidas e recatadas nas noites em que se deram pela primeira vez, ou mais ousadas, que romperam padrões da época. Mulheres de cabelos negros, claros ou grisalhos, lisos ou ondulados, que sempre tinham alguém a sua espera: em casa para chamá-las de mãe; na cama para chamá-las de minha mulher; e no filó para chamá-las de comadre. Alguém sempre as aguardava, desejando a presença para uma palavra, um consolo, um afago, um almoço.
Mulheres que, com sua capacidade para a diversidade de funções, também construíram jardins repletos de lírios, cravos, rosas e dálias, para depois de colhidas e observadas entre as mãos calejadas, serem entregues aos que desejavam demonstrar carinho e afeição. Mulheres que recitaram belas canções e cantigas de ninar para fazerem anjos adormecerem. Enfeitaram os jardins da vida carregando filhos no ventre, o tom mais carmim nos lábios e flores entre as mãos deformadas pelo trabalho e que, como as águas de março, tão bem souberam fazer os verões do passado, sem que no presente as tenhamos esquecido.
Heroicas mulheres, estejam onde estiverem, sintam-se abraçadas por todos nós, seus descendentes, sem obstáculos, sem restrições e sem distâncias.