Maria de Lurdes Rech

Maria de Lurdes Rech

Cotidiano

Professora, pós-graduada em Métodos e Técnicas de Ensino pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), Maria de Lurdes Rech é autora do livro de crônicas Prosa de Mulher e do CD de crônicas e poemas Amor Maior, vencedora de diversos concursos literários em nível nacional. Membro da Academia Caxiense de Letras. Foi produtora e apresentadora do programa cultural Sábado Livre da rádio Flores FM de 2004 a 2012. Colunista do jornal O Florense desde 2007. Atuou na Secretaria de Educação, Cultura e Desporto de Flores da Cunha, onde coordenou a implantação dos Centros Ocupacionais da cidade. Exerceu a função de diretora e vice-diretora de escolas. Atualmente, realiza o trabalho de pesquisadora no Museu e Arquivo Histórico Pedro Rossi com o projeto Vozes do Tempo.

Contatos

A Casa de Comércio Soldatelli em Nova Roma

Agradeço a professora Dolores Soldatelli pelo incentivo e colaboração durante o processo do trabalho e pesquisa.

A volta ao passado fascina, especialmente quando se trata do resgate da história dos personagens que viveram, construíram e prosperaram em nossas terras. Por meio do Projeto Vozes do Tempo, desenvolvido junto ao Museu e Arquivo Histórico Pedro Rossi, tive a oportunidade de resgatar fatos referentes à Família Soldatelli. Após divulgação na página do Facebook, e alcançar cerca de cinco mil visualizações e mais de trinta compartilhamentos, julguei válido fazer chegar aos leitores do O Florense tais informações. Agradeço a professora Dolores Soldatelli pelo incentivo e colaboração durante o processo do trabalho e pesquisa.
Luiggi Soldatelli, nascido na Itália em 1858, chegou em 1878 em Nova Trento. Casou com Margherita Maria Letti em 1881. Moravam com a mãe, Carolina Soldatelli, e o irmão, Vittório Soldatelli, numa das casas construídas com tábuas de pinheiro colocadas em pé, na vertical, em forma de cabana. Logo Luiggi demonstrou gosto pelo comércio, com o dinheiro que conseguia pela venda de produtos da agricultura, comprava metros de fazenda e tecidos para revender nos campos de Vacaria. O amigo Antonio Frotta, italiano, o acompanhava nas viagens feitas a pé. Sempre que iam ficavam até vender as mercadorias, depois traziam queijo para vender aos colonos. Lá também faziam taipas, açudes ou cavavam valos para ganhar dinheiro e poder comprar mais mercadorias. Luizim e Margarida, como eram conhecidos, eram analfabetos, mas ele tinha grande facilidade para fazer contas, afirmam seus descendentes. Mais tarde, ele aprendeu a ler e escrever. Com as primeiras economias comprou uma égua por ‘um patacom’, assim podia viajar melhor e levar mais mercadoria. Com os lucros, comprou uma colônia de 25 hectares, montou uma pequena olaria para produzir tijolos para construir os casarões. Os tijolos eram transportados por uma carreta puxada por uma junta de bois. Luigi progredia rapidamente, já possuía uma carreta e dois bois chamados Ramalhete e Pimpom. A carreta era dirigida pelas filhas Maria e Dosolina. Assim, construíram a casa grande que servia de moradia e casa de negócios. Logo construíram o segundo casarão, onde foi morar o filho mais velho, Fioravante. Essa casa também servia para depósito de produtos como milho, trigo, arroz, feijão, banha, linho, aveia, sal, trança, erva-mate e outros. Servia para guardar o arreiamento dos animais e morada para os peões. Na década de 1900, vendiam uma peça de tecido de algodão de 20 metros por ‘due fiorini’; um saco de trigo de 60 Kg por ‘quatro fiorini’; um saco de milho por ‘due fiorini’. O irmão mais velho de Luiggi, o Tongnon, trouxe da Itália a muda de uma macega de folhas compridas, como a tiririca. As folhas eram usadas como barbante para amarrar os sacos de milho e trigo para irem ao moinho. Desde pequenos, os meninos da família começavam a levar as tropas, como madrinheiros, isto é, iam na frente da junta de bois, puxando toda a tropa. O animal que seguia na frente levava uma sineta pendurada no pescoço, que se chamava ‘sincerro’. Quando se aproximavam dos locais de destino, tocavam o berrante para avisar da chegada. O berrante era feito com as aspas dos bois. Mais tarde, passaram a viajar também para São Sebastião do Caí, trazendo açúcar mascavo e cachaça. A nora de Luigi, Matilde Grizza, habilidosa, caprichosa, excelente cozinheira, servia comida à família e aos viajantes que chegavam em Nova Roma.
Também fazia o trabalho de parteira e era chamada para ser a ‘coga’, cozinheira chefe, nos banquetes de casamento e festas de igreja. Por volta de 1930, Luiggi Soldatelli e a esposa Margherita foram morar em Nova Trento com a filha Esther Soldatelli Falavigna, conhecida como Rizza. Luiggi também adquiriu uma belíssima casa de alvenaria, que pertencia a Jacintho Targa, que foi professor e coletor em Nova Trento até o ano de 1920. Em 1929, Luiggi viajou para a Itália, de navio, único meio de transporte para a travessia, para rever parentes e amigos na terra natal. O casal voltou desiludido, pois foram recebidos com frieza e indiferença, pela desconfiança dos parentes de que Luiggi tivesse viajado para requerer algum resto de herança deixada na Itália. Quatro anos depois, viajou novamente para fugir do inverno gaúcho e desfrutar da primavera italiana. Dessa vez, com a filha Maria, pois a esposa recusou-se a viajar recomendando ao marido em dialeto mantovan: “Vé Luigi, thegat a ment vê, que se te mori im mês a El mar, recomandat l’ánima a Dio; El corp ai pesc, ma í sol a me, vê.” Traduzindo: “Escuta Luiz, lembra-te que, se morreres em alto mar, recomenda-te a alma a Deus, o corpo aos peixes, mas o dinheiro a mim, sabes?”. Luiggi retorna ao Brasil são e salvo para a alegria de Margherita. Ele faleceu em 1943, com 85 anos de idade, e Margherita em 1951, com 92 anos de idade.