Floriano Molon

Floriano Molon

Lembranças

Floriano Molon é natural do distrito florense de Otávio Rocha, nascido em 11 de abril de 1949. Foi professor primário, funcionário público estadual e federal, hoje aposentado, bacharel em Direito e pesquisador da imigração italiana. Tem 12 livros publicados e participou em diversas outras publicações. Como promotor de eventos, foi presidente de algumas edições da Festa Nacional da Vindima (Fenavindima) e outras festas, bem como presidente de diversas Associações. Recebeu o título de ‘Cidadão de Mérito de Flores da Cunha’, além do Troféu Grazie, esta última do Jornal O Florense. 

Contatos

Ndemo dir su la corona!

Vamos rezar o terço!

Aquele lampião pendurado na parede da velha casa de madeira... na sua dança de luz e sombras, desenhava  vultos que na nossa  memória infantil, lembrava lutas de diabos com suas forcas, rabos, chifres... do sanguanel que roubava crianças e fazia tranças nas crinas das mulas, ... do “velho do saco” que passava na estrada...   
A tradição diária de lavar os pés numa “mestela”, espécie de bacia de madeira e enxugá-los num  trapo de pano. A janta sempre apetitosa, queijo frito, fortaia com salame, polenta brustolada, salada verde e pão, queijo e salame.  Em época sem luz e rádio, enquanto lavavam a louça, nós os pequenos deitávamos no chão da “Cozina”. A mãe dava a ordem em sequência: - Levantem vamos rezar o terço!  
Meio que acordando do cansaço do dia, de brincar e fazer algum trabalho, cada um apanha uma cadeira e se ajoelha apoiando os pequenos braços. Pego o velho terço de semente, chamada de “Lágrima de Nossa Senhora”, pendurado ali junto ao quadro da Santa de Fátima e seus pastorinhos. A imagem domina o cenário colonial da sala onde tem o fogão, um armário e mesa para as refeições.  
Começava a reza, sem nominação dos mistérios. Aquelas orações cadenciadas, posso dizer que  criava, hoje  diríamos um “mantra”,  e aos poucos as vozes de resposta vão se apagando. Não falta alguém dando um leve toque, e sequem as preces sagradas diárias, menos no domingo, quando tinha o terço da tarde, às 15 horas na Capela. Não se sabe a propósito, como e porque pararam! 
Terminado o terço, era hora de se dirigir à outra casa, atravessar um terreno gramado, nas costas de um irmão para não sujar os pés, dia de lua cheia ou noite até de chuva. Era chegar ao recanto de dormir, gelado no inverno, longe de um bom fogão. Era a tradição de ter duas casas, sempre com medo de incêndios, que deixaria a família sem abrigo. Nessa travessia noturna, às vezes sem o lampião, sem entender admirávamos às vezes uma lua bem iluminada clareando a passagem. Enfim no lugar definido, cobertas quentes e podia-se dormir em paz. Quando dos temporais, a casa de madeira até tremia, era certo ver a mãe, que passava nos quartos com uma lamparina, para nos tranquilizar.  
Isto vos conto porque a devoção a Nossa Senhora do Rosário (festejada em outubro), era muito significativa. Até na Capela São Marcos, ali no lado esquerdo tinha a sua estátua, dividindo com o Santo Protetor no centro e com a estátua de São José à direita.  
Muitas vezes nós íamos até o banhado colher as sementes de um capim, e eram levadas até o convento dos Capuchinhos de Caxias, que faziam os terços.  
Não sei se foi por influência do Concílio Vaticano II, que modificou tantas coisas na Igreja Cristã, o terço foi perdendo a grande importância, passando da oitiva nas estações de rádio, depois nas televisões católicas no final da tarde. A oração foi sempre uma ajuda forte e encorajadora para enfrentar tantas dificuldades passadas pelas primeiras gerações.