Floriano Molon

Floriano Molon

Lembranças

Floriano Molon é natural do distrito florense de Otávio Rocha, nascido em 11 de abril de 1949. Foi professor primário, funcionário público estadual e federal, hoje aposentado, bacharel em Direito e pesquisador da imigração italiana. Tem 12 livros publicados e participou em diversas outras publicações. Como promotor de eventos, foi presidente de algumas edições da Festa Nacional da Vindima (Fenavindima) e outras festas, bem como presidente de diversas Associações. Recebeu o título de ‘Cidadão de Mérito de Flores da Cunha’, além do Troféu Grazie, esta última do Jornal O Florense. 

Contatos

Meti su la acua par scaldar, incô copemo el porco!

A água fervia no panelão de ferro. Tudo pronto. Deitado sobre uma tábua, o porco espera pelo último ato

Nós, os pequenos, todos fechados dentro do quarto da mãe. Esperávamos os últimos gritos do porco, que fazia um barulho danado, quando o levavam do chiqueiro até em frente ao portão da cantina. A água fervia no panelão de ferro. Tudo pronto. Deitado sobre uma tábua, o porco espera pelo último ato. O grito forte ecoava pelas cercanias. No quarto da mãe, nós, os pequenos, colocávamos as mãos nas orelhas para não ouvir os derradeiros berros suínos. 
A mãe corre para baixo, com uma panela para apanhar o sangue e depois fazer a morcília. No quarto, como não se sentia mais barulho, as crianças saem, pé ante pé, para ver como as coisas estavam.  
O porco ali deitado imóvel, e então começavam com uma caneca pegar a água quente e com as facas a tirar o pelo. Feito esse trabalho, é hora de pendurar o animal, pelas pernas traseiras, num galho de uma árvore ali perto. 
Coisa mais feia para nós, crianças, quando abrem a barriga do porco e vem  para fora uma batelada de coisas e, mais que tudo, as tripas... que as colocam dentro de uma cesta. Depois, duas pessoas tem que levá-las até a açúde para limpá-las, e olhem, até os peixes ficam contentes. 
Mas voltando ao cenário da matança. Eles já retiraram tudo de dentro do porco, que é cortado em dois pedaços, e em especial o fígado que, de noite, já ia para a mesa. E como era bom comê-lo com polenta nova. 
O porco ficava uma noite pendurado na cantina e de manhã cedo começava a atividade de cortá-lo em pedaços. Uma bonita tradição italiana fazia com que parte das costelas fossem repartidas em pequenos pedaços entre os vizinhos próximos da nossa casa. Depois cortavam os toicinhos, uns poucos para colocar nos salames, outra parte para guardar em uma caixa salgados e outra parte vai para fazer a banha. A carne para o salame, um pouco para a morcília, outra para o codeguim e um pedaço nobre para fazer a copa. 
Com uma máquina se moía a carne para os salames, se cortava o toicinho em pequenos pedaços, depois sal, um pouco de salitre e se a família gostava, alho amassado, misturando tudo estava pronta a massa para os salames. Um momento bom era quando faziam numa frigideira, uma prova assada para ver como o salame estava de condimentos. Todos experimentavam o cozido, e que delícia junto com a “collacion”. 
Tudo aprovado e pronto. Está na hora de ensacar em tripas e fazer o salame. Dentro da pequena máquina fixada na mesa, colocavam a carne que saia num funil dentro da tripa e o salame é amarrado com barbante. São colocados então em uma vareta e, quando cheias, são penduradas embaixo do foro da cantina. 
Depois se fazia um pequeno fogo para as moscas ficarem longe dos salames novos. Na cozinha, as mulheres faziam a morcília, enquanto que na cantina se fazia também os codeguim (tipo salame que se come cozido na água), as copas (consideradas as joias mais valiosas), e comidas em ocasiões especiais. Se salgava ainda os ossos, e guardados em caixas especiais podiam ser apreciados durante as semanas seguintes. Restava ainda a feitura da banha e, por fim, o sabão. 
Para encerrar essa lembrança, se dizia: “o alegre dia da matança do porco”, coitado dele, e suas carnes eram muito valiosas em épocas que não se tinha energia elétrica, sem geladeira, e então, se passava muito bem nas numerosas famílias. Em tempo, minha mãe ficou viúva muito jovem e comandava a família. 
Então, o dia que a mãe dizia: “coloquem a água para esquentar, hoje vamos matar o porco!”, era motivo de esperança de mesas fartas e alegria em família.