Floriano Molon

Floriano Molon

Lembranças

Floriano Molon é natural do distrito florense de Otávio Rocha, nascido em 11 de abril de 1949. Foi professor primário, funcionário público estadual e federal, hoje aposentado, bacharel em Direito e pesquisador da imigração italiana. Tem 12 livros publicados e participou em diversas outras publicações. Como promotor de eventos, foi presidente de algumas edições da Festa Nacional da Vindima (Fenavindima) e outras festas, bem como presidente de diversas Associações. Recebeu o título de ‘Cidadão de Mérito de Flores da Cunha’, além do Troféu Grazie, esta última do Jornal O Florense. 

Contatos

Mai visto na roba companha, el angelo el move la testa

Para mim, nos meus tenros anos, vamos dizer lá por quatro ou cinco, o que mais admirava era “aquele anjo que mexia a cabeça”

Os dezembros de distantes anos me lembram dos Natais. Destaco o mutirão da família para limpar a “cozina”, que foi pintada por mais um ano de muita fumaça espalhada pelo fogão à lenha. Todos ajudam a limpar o local mais sagrado da família, ali sai a boa comida, os biscoitos do forno, o crostoli, o pudim, o pinhão na chapa, a batata doce, a polenta, o frango assado no forno... Ali na cozinha, a família se reúne naquela mesa longa, com suas mais de dez bocas, e a convivência sadia familiar. 
O Natal lembra também de belas galinhas gordas para o “brodo” e também para fazer o recheio dos agnolinis. Em tempos sem luz, eram preparados na véspera do dia de Natal. 
A noite de Natal, na pequena Marcolina/Otávio Rocha, a comunidade se reunia, pelas 23h, em frente à casa do proprietário do Armazém, e ali estava armado um presépio. Os fiéis iam buscar o Menino, que era conduzido na poerenta viela, e admiravam os foguetes de “lágrimas coloridas” e, sobre o belo muro de pedra, eram acesos pequenos fogos que iluminavam a noite. Se chovia era bom sinal, “próximo ano será ano de muito trigo”. 
Cantos, incensos, e o Menino é colocado na sua manjedora, segue sermão em português e o resto em latim, mas como saber das maravilhas da Bíblia e, em especial, dos Evangelhos, se absolutamente não se entendia nada? Até pensava que era italiano.
O Frei Capuchinho da Paróquia de Lourdes, no final, convidava para as crianças visitarem o presépio. Para mim, nos meus tenros anos, vamos dizer lá por quatro ou cinco, o que mais admirava era “aquele anjo que mexia a cabeça”. Sem televisão, sem filmes, sem internet, nada dos avanços cibernéticos de hoje, como pode o presépio da minha vila, ter um anjo que faz uma coisa extraordinária para a minha memória: mexia a cabeça. 
Uma invenção inteligente, a cada moeda colocada no cofre, sobre as pernas, mexia um dispositivo que fazia o “menino anjo” movimentar a cabeça em um sinal de sim, de agradecimento. Poderia ter coisa melhor para uma criança ver, em tempos que uma ilustre nonna declarou em bom som: “depois que o homem inventou uma máquina de debulhar milho, a humanidade não tem mais nada para inventar”. 
Mas vamos para casa, de caminhão ou a pé. Lá fora estavam os pratos com farelo e palha, para esperar a passagem da “musseta”, mulinha, e entregar os presentes de Natal para nós, crianças. Não havia ceia natalina, nem doces, nenhuma comemoração. De manhã a surpresa de alguns pequenos presentes que tanto valorizávamos, em tempos de vacas magras. A festa do Natal era ao meio-dia, quando tudo o que há de melhor da culinária italiana desfilava: a sopa de agnolini, o lesso, o crem, pão colonial, a salada de batata, a alface, o mais belo galo assado no fogão à lenha... vinho para os adultos e água com vinho e açúcar para os pequenos. Depois vinha a sobremesa: sagu, pudim, bolo e não podia faltar os biscoitos e as cucas. 
A celebração ficava mais bonita e animada com a chegada de algum parente que tinha imigrado para longe e voltava à casa paterna, ali onde em 1883 chegaram os primeiros imigrantes italianos. 
Belas lembranças... a saudade desse maravilhoso tempo compensa o que os novos costumes nos ensinam.
Com o Natal 2022, deixo um grande abraço de fé, esperança e renovação. Novos tempos e novos costumes virão.      
Obrigado pela companhia e lembranças repartidas!