Floriano Molon

Floriano Molon

Lembranças

Floriano Molon é natural do distrito florense de Otávio Rocha, nascido em 11 de abril de 1949. Foi professor primário, funcionário público estadual e federal, hoje aposentado, bacharel em Direito e pesquisador da imigração italiana. Tem 12 livros publicados e participou em diversas outras publicações. Como promotor de eventos, foi presidente de algumas edições da Festa Nacional da Vindima (Fenavindima) e outras festas, bem como presidente de diversas Associações. Recebeu o título de ‘Cidadão de Mérito de Flores da Cunha’, além do Troféu Grazie, esta última do Jornal O Florense. 

Contatos

- Mamma, mi no credo in te le strie, ma che gue zé, ghe zé!

A aparente tranquilidade da vida na colônia, como ouvir o canto dos pássaros, o uivar dos animais domesticados, observar a lua e o sol, muitas vezes eram interrompidas por temporais

A aparente tranquilidade da vida na colônia, como ouvir o canto dos pássaros, o uivar dos animais domesticados, observar a lua e o sol, muitas vezes eram interrompidas por temporais. Raios, trovões e ventanias se manifestavam assustadores. A casa de dormir, parecia que ia voar, e poderia ainda observar um rastro de árvores arrancadas. Tudo isso era concreto!
Mas quando vinha a noite, no escuro, parecia que tudo se manifestava. Dormir ali perto de um riacho, tinha o coachar das rãs e sapos e, de manhã cedo, as vacas, porcos, galos, ovelhas, pássaros, um mundo se manifestava. 
A minha vida na infância foi marcada por várias partidas de vítimas da tuberculose (terrível como o coronavírus). Quando a noite chegava, sem energia elétrica, e a iluminação era feita por pequenos lampiões, até nas paredes com o movimento das chamas, pareciam desenhar alguns fantasmas. Na ida da cozinha para a casa, parece incrível, mas era hora de se cuidar do Sanguanel, do Velho do saco, do Saci-pererê... Mas as duas situações que mais alvoroçavam a família eram o canto da coruja e o uivar looongo dos cachorros. A estes, era hora de alguém levantar e ir na janela gritar, pedindo para parar, pois era sinal de maus agouros. Sobre as corujas, ordem dada pela mãe, os irmãos mais velhos, de lanterna e espingarda, deveriam caçá-la, que ali perto ficava cantando (uma lembrança que veio do além-mar, que tirou tantas vidas do pássaro noturno, pois ela anunciava más notícias). As duas situações, o latir do cachorro e o canto da coruja, previam, geralmente, fatos ligados a “passagem desta para a outra”.
Transportado nos navios de imigrantes, fortemente influenciados pelas Igrejas Cristãs, tinha também a figura do diabo, do demônio, do belzebu... ele tinha chifres, vestido vermelho, com rabo e uma forca. Não é que um dia vi tudo isso pintado na Igreja de São Pelegrino, em Caxias. 
– “Olha que o diabo te pega!”. 
– “Não faça isso, não faça aquilo, olha que o diabo te pega!”. 
Na década de 1950, na sede da Cooperativa de Otávio Rocha, havia um grande salão. Ali funcionava um armazém e também servia para apresentação de teatros. Nunca mais esqueço, com meus 5 anos, assisti uma encenação com a presença de uns dez personagens diabos – vestindo roupas vermelhas, com chifres, rabo e forca. Na minha memória, marquei: “os diabos existem”, e nunca mais perdi aquela visão perturbadora. 
Histórias de ouvir correntes batendo na passagem noturna em frente ao cemitério, onde ainda foram vistas bolas de fogo; barulhos na casa de dormir, onde foram velados diversos familiares; alguém a noite “teve os pés puxados”.
E localmente, como esquecer da Nonna Rissa, uma bela avó, mas que em avançada idade tinha os cabelos longos e bem encaracolados. Só falar o nome dela já assustava. 
Tudo no escuro, sem energia elétrica para acionar em caso de acordar, de ouvir barulhos... tudo era motivo para criar pânico.      
Assim, concluía-se: 
– “Minha mãe, eu não acredito em bruxas, mas elas existem, existem!” (expressão espanhola).