Você tem medo do quê?
Ainda ontem, em uma escola em que estive dentro do projeto Autor Presente, uma aluna-leitora perguntou-me, após ter lido o meu O Morro do Chapéu do Diabo, do que eu tinha medo? Respondi com este texto.
Ainda ontem, em uma escola em que estive dentro do projeto Autor Presente, uma aluna-leitora perguntou-me, após ter lido o meu O Morro do Chapéu do Diabo, do que eu tinha medo? Respondi com este texto.O motorista governa o ônibus. O padre governa a paróquia. A diretora (ou o diretor) governa a escola. A fofoca governa a vida social.
São Pedro governa o clima (pelo menos era quem governava).
Deus governa o universo (há quem afirme que é o acaso).
O despertador governa o sono.
A mulher governa o homem (embora ele relute muito em admitir).
O gavião cego governa a paixão avassaladora.
A burocracia e a corrupção governam a maioria das autarquias, órgãos e repartições públicas.
A lua governa as marés.
O destino governa o pé.
Quem governa tudo e todos? Pois, não é ninguém senão o medo.
O medo governa tudo e todos.
O destemido, que jurava não ter medo nem de seu inimigo, mais alto do que uma árvore e mais largo do que uma igreja, agora treme e sua frio diante da própria sombra.
O medo está se espalhando ao redor das pessoas como as ondas produzidas por uma pedra atirada na água.
É o medo que manda cortar o cigarro, o álcool, o açúcar, a maionese, o cachorro quente, a batata frita, a carne vermelha, o sol das onze e os prazeres da vida.
É o medo que ordena para apertar o passo.
É o medo que obriga a levantar os vidros do carro.
É o medo que manda erguer muros.
É o medo que cerca casas, prédios e até túmulos.
É o medo que eletrifica as cercas do sono.
É o medo que enche as paredes de câmeras e sirenes necessariamente insuportáveis.
É o medo que dá tiros no meio da noite contra o medo.
É o medo que faz as pessoas saírem em passeata para protestar contra o medo.
É o medo que faz com que as pessoas se amontoem do mesmo lado do barco, fazendo com que ele afunde.
É o medo que rouba preciosas horas de sono.
É o medo que bota um guarda atrás de cada porta e de cada poste.
É o medo que tira os olhos da pomba para botar os olhos do gato.
É o medo que vive enchendo o mundo de desconfiança como se fosse uma enorme caixa d’água.
É o medo que sai engolindo tudo feito um avestruz.
É o medo que impede que a compaixão vença a indiferença.
É o medo que faz da noite um forno dentro do qual as sementes da insegurança cresçam.
Assoladas pelo medo, as pessoas se tornam arredias e desconfiadas, evitando que se encontrem até consigo mesmas. E o que é mais amedrontador: o medo alojou-se no coração do homem e não há meios de arrancá-lo de lá dentro.