Vidas desgraçadas
Ainda ontem, na sala de espera do consultório dentário
Ainda ontem, na sala de espera do consultório dentário.– Oi, amiga!
– Oi, quanto tempo?
– Pois é, a gente não se via a um tempão...
– É mesmo.
– Tudo bem com você?
– Tudo ótimo!
– E os gêmeos?
– Estão cada dia mais fofos.
– Que bom! E a Camilinha?
– Minha princesinha já começou a engatinhar.
– Que maravilha.
– E sua duplinha dá muito trabalho?
– Que nada, são uns amores. E a Camilinha?
– É um anjinho.
– Que bom, tô feliz por você.
– Brigada, também tô contente pela sua felicidade.
A mãe dos gêmeos é chamada pela secretária da cirurgiã-dentista.
De repente, a avó da Camilinha que tinha ido para vai saber aonde veio juntar-se à filha.
– Ainda esperando a sua vez de ser atendida?
– Nem me fale, não aguento mais esperar, mãe.
– São quase onze.
– Viu só que demora, mãe?
Breve silêncio.
– Mãe, sabe quem acabou de entrar no consultório?
– Não faço ideia.
– A Lu.
– A Lu?
– É, a Luciana dos gêmeos.
– E como ela está?
– A senhora não vai acreditar!
– Como assim?
– Estropiada (e deu em silêncio uns pulos de alegria).
– Como assim?
– A senhora precisa ver com os próprios olhos.
– Não diga?
– Está que mais parece com um muro desmoronado, sabe?
– Minha Nossa Senhora do Espanto!
– Dá pena de ver, mãe... Pena. Parece tão infeliz, sabe?
Finalmente, a mãe dos gêmeos sai do consultório apressada. Sem deter-se, diz:
– Até mais.
– Até, querida.
– Vê se aparece lá em casa!
– Pode deixar, um dia desses apareço, com a duplinha para você conhecer.
– Que bom, mal posso esperar. A Camilinha irá adorar brincar com eles.
– Até breve, amiga.
– Até logo, querida.
Quando a mãe dos gêmeos se encontra à porta, vira-se para trás e esboça um sorriso de asa de passarinho quebrada, na verdade, gostaria de recomendar:
– Por favor, trate de fazer uma dieta com urgência. Ah, o seu cabelo envassourado também precisa de trato. Aliás, tudo em você precisa ser arrumado. Tudo, da cabeça a unha do dedão do pé.