Vencido pela vida
Sábado de manhã fui caminhar perto de casa com o meu velho cachorro Snoopy. Encontrei um homem que conheço de vista e de bigode.
Sábado de manhã fui caminhar perto de casa com o meu velho cachorro Snoopy. Encontrei um homem que conheço de vista e de bigode. – O mundo está ficando chato e quadrado como pão de fôrma – foi logo dizendo ele, com o bigode fininho e esbranquiçado, parecido com uma lagartixa dormindo numa fresta de parede, ameaçando acordar a qualquer momento e ir embora para sempre. Perguntei como se chamava, mas o seu nome não apontava para nenhuma direção, de maneira que continou me sendo o que já era, o homem do bigode. Ele continuou: – Por incrível que pareça, não temos mais o direito ao espanto e ao imprevisível da vida. Ralhei com o cachorro para ver se ele enfiava a viola no saco e parava com a cantilena. Em vão. – Veja a previsão do tempo, por exemplo... Tudo é anunciado com grande antecedência, inclusive com hora marcada. Trovoadas entre às 18 e 19 horas, com ventos de mais de 90 quilômetros por hora. Pensei comigo a sorte de não multarem o vento por excesso de velocidade. Deixei de lado a bobice. Logo tentei sacudir o homem do bigode com palavras de otimismo, mas a idéia teimava nele feito um carrapato. – A vida vem com manual de instruções, com tudo explicado e previsto. Fiz uma cara de hã? Ele andou com as queixas: – Todos acreditavamos que as pedras estavam mortas desde que se tornaram pedras. Tem poucos dias que anunciaram que as pedras respiram e que podem inclusive nos ajudar com esse negócio do gás carbônico. Justamente as pedras mortas, as coisas que eu mais amava no mundo junto com minha perna esquerda. O homem do bigode disse isso e recolheu a língua. Bocado depois, interrompi o seu silêncio dramático com um “Não tem nada de novo nisso”. Ele prosseguiu: – Além das previsões, tem as descobertas, os prazos de validade, o escambau. Os mistérios da noite estão se dissolvendo e ficando apenas os gatos nos telhados. Não sei porque razão, mas tive uma vontade louca de miar. – Que tempos! – continuou – Se não bastasse terem nos subtraído a possibilidade da surpresa e do mistério, agora estão colocando prazo de validade em tudo. Pensei no iogurte, no chocolate, no sabonete líquido e na infinidade de embalagens nas prateleiras dos supermercados. Enganei-me mais uma vez. – As moscas nascem com o carimbo de validade de 30 dias. Nada comentei. – Veja o sol, a estrela central do sistema planetário solar e fonte de luz e de vida, que achavamos eterno, também está com os anos contados. Incentivei-o a ir adiante com um movimento de cabeça. – Daqui a cinco bilhões de anos, adeus luz solar e nós humanos ficaremos gemendo e chorando nesse vale de lágrimas chamado Terra. Sem mais nem menos, o homem do bigode levantou os olhos para o céu e disse: – Pois olhe – disse de repente com ar melancólico – de acordo com meu médico, meu coração está com o prazo de validade vencendo. Agora preciso ir. Até mais! Sacudi a cabeça desconsolado. Lá se ia o homem do bigode vencido pelo prazo de validade.