Transferindo o problema
Não sei se você já se deu conta, mas a moda agora é transferir o problema a outrem. Há mães que transferem à creche, ama, babá ou governanta a responsabilidade de cuidar dos filhos.
Não sei se você já se deu conta, mas a moda agora é transferir o problema a outrem.Há mães que transferem à creche, ama, babá ou governanta a responsabilidade de cuidar dos filhos.
Há pais que transferem à escola a tarefa de educar seus próprios filhos.
Há atletas que transferem ao técnico a responsabilidade pelos seus próprios fracassos.
Muitos problemas não são resolvidos, mas passados adiante.
Deixe que exemplifique, pois acho que ‘desanuvia’ melhor o que estou tentando dizer. O fato ocorreu quando precisei adquirir um novo aparelho de celular.
– Já foi atendido, senhor?
– Ainda não, meu caro.
– Um minutinho, por favor.
– Pois não...
Cinco minutos depois.
– O que o senhor deseja?
– Um aparelho de celular?
– Ah, sim, aqui temos vários modelos.
Os modelos estavam em uma espécie de redoma trancada à chave. Apontei o dedo e falei:
– Gostei desse.
– Legal.
– Pode tirá-lo daí, por gentileza?
– Só um minutinho.
– Fique à vontade...
– Pronto, aqui está.
– Bem, quais são as características do aparelho?
– Só mais um minutinho...
Algum tempo depois.
– Funciona com chip da Vivo?
– Preciso me certificar.
Mais cinco minutos de espera.
– Esse modelo tem histórico de assistência técnica?
– Não, é excelente. Não dá problema.
– Ok, quais são as condições?
– Aqui estão, senhor.
– Ótimo.
– Se o aparelho eventualmente pifar, como procedo?
– Se for dentro de sete dias, basta me procurar que substituirei o aparelho por outro na caixa para o senhor.
Sete dias depois...
– Boa tarde. Lembra de mim?
– Não estou lembrado...
– O celular que você me garantiu que era “excelente” parou de funcionar.
– Só um minutinho, preciso transferir o problema para o meu gerente.
Pouco depois, explico novamente o que aconteceu ao gerente da loja.
– Não posso dar um novo aparelho novo, pois o prazo expirou.
– Mas o atendente havia me dito que a loja trocaria o aparelho se ele desse problema nos sete dias.
– Acontece que o prazo já expirou.
– Como expirou, se é hoje que se completam sete dias da emissão da nota fiscal?
– Não, foi ontem, domingo.
Desnorteado e sem munição para reagir de bate pronto, calei-me.
– Sinto muito, o problema é do fabricante do aparelho.
– Como é que é?
– O fabricante irá analisar o processo e em 30 dias dará uma posição ao senhor.
– Quer dizer que devo pagar por algo que não posso usufruir?
– Desculpe, mas como já lhe falei, o problema é do fabricante.
Após uma pausa, o gerente acrescentou:
– Se quiser, posso lhe conseguir um aparelho emprestado...
“Enfie o aparelho onde melhor lhe convier”. Esse foi um pensamento indesejado, mas que me concedeu a paz de que necessitava naquele momento de raiva.