Tem farmácia por perto?
Sei que não é assim que se começa a contar uma história...
Sei que não é assim que se começa a contar uma história, mas ando um pouco cansado com a correria na reta de final de ano. A verdade verdadeira é que ando cansado e cheio como a sacola de compras de dona Maria, mãe de uma colega de trabalho.A história deu-se há pouco, com um amigo meio doido que viajou mais de 400 quilômetros para passar um dia conosco fazendo trilha de moto.
A história é elucidativa e reveladora.
É claro que após descer por trilhas retorcidas de cobra, atravessar riachos com pedras lisas como sabão, levantar a moto do chão dezenas de vezes e subir por trilhas infestadas de cotovelos, meu amigo enguiçou.
Ainda brincamos com ele:
– Como é que é seu monoteta?
Cyro G. (é assim que vou chamá-lo) não esboçou reação alguma. Os cem pares de braços e duzentos pares de pernas haviam simplesmente acabado. Suas forças haviam se esgotado.
Apesar da situação, tornamos à carga:
– Como é que é essa história de que podia dormir no mato e continuar a trilha pela manhã do dia seguinte?
– Ai, ai, ai – gemeu ele.
Mal chegamos à cidade, Cyro G. perguntou:
– Tem farmácia próximo daqui onde eu possa comprar um relaxante muscular?
Nem precisei pensar para responder.
– Tem uma ali na esquina. Tem outra logo adiante... Tem mais outra após o semáfaro.
Desconsidere a história até aqui. É tão inútil quanto um prego torto e enferrujado jogado fora.
Mais relaxado, Cyro G. fez um comentário pertinente:
– E livraria, tem alguma perto daqui?
Demorei um poquinho para dar a resposta.
– Não, não tem nenhuma boa livraria perto daqui, sequer tem livraria em toda a cidade. Nesse ponto, somos igual à Marte.
Meu amigo esboçou um sorriso sem graça, num rosto espantadado pelas minhas palavras. Expliquei;
– Tem alguma coisa, misto de livraria e bazar em que o livro tem mais função decorativa do que propriamente de produto ou de chamariz do ponto de venda.
Cyro G. fez um comentário ácido:
– Talvez a cultura de um povo se meça pelo número de farmácias. No Brasil, há uma para cada grupo de 2 mil pessoas. São mais de 60 mil farmácias e drogarias. O Brasil aparece como o país que tem o maior número de farmácias do mundo. Sem contar que esse número não para de crescer. De outro lado, o número de livrarias mal passa de 2 mil. Embora tenha grandes escritores, o Brasil todo tem menos livrarias do que a cidade de Buenos Aires que é 56 vezes menor que o nosso país em números populacionais. O brasileiro lê um livro em média por ano, contra quase 20 livros lidos por ano por cada habitatente dos países desenvolvidos. O negócio é vender remédio para o corpo e não para o espírito. Estantes com caixinhas de remédios são mais úteis do que com lombadas de livros. Está certo, bom mesmo é cuidar da saúde física e não da saúde da alma.
Pois, o comentário do meu amigo continua martelando na minha cabeça até hoje. Desculpe-me, mas vou ali na farmácia pegar qualquer paracetamol e já volto...