Sobre perdas
É para isso que fomos feitos para ganhar de vez em quando e perder toda vez.
para isso que fomos feitos para ganhar de vez em quando e perder toda vez. É por isso que temos ombros grandes para carregar nossas perdas. É com isso que devemos conviver, com perdas. O fisósofo Zenão que fundou a filosofia estóica e influenciou a doutrina cristã, diz que é preciso aceitar as perdas e os percalços da vida com serenidade até mesmo porque são inevitáveis. Já ao nascer, perdemos o aconchego e a segurança do útero materno. Mal começamos a ensaiar os primeiros passos e perdemos o seio gostoso e macio da mãe. Nem sequer começamos a ganhar pelos pubianos e perdemos todos os dentes e ficamos completamente banguelas. “Fostes roubar alface da horta do padre e deixastes o portão aberto?”, perguntavam-nos os mais velhos em tom zombeteiro, com orelhas sorridentes. As perdas não param de se suceder como um rosário de contas. Com o tempo, perdemos, e isso é muito grave, a capacidade de nos indignar diante do desprezível, do horrível e de tudo o que lhe serve de rima. As perdas se acumulam no amarelar do calendário. Perde-se, inclusive, as ilusões. Por falar nisso, você leu As ilusões perdidas de Honoré Balzac, um dos maiores clássicos da literatura francesa. A ilusão perdida de encontrar o princípe encantado? A ilusão perdida de não precisar passar pelo perpétuo vai-e-vem dos ganhos e perdas, como disse Sêneca, ou outro filósofo, preocupado em aceitar as perdas com “euthymia, ou seja, com a tranquilidade da alma? A ilusão perdida de um sociedade mais justa e equanime? Corremos tanto para tentar alcançar o futuro que estamos perdendo as lembranças pelo caminho, ou seja, a conexão com o passado. Com o passar dos anos, perdemos massa muscular. Ganhamos massa flácida. Perdemos cabelos. Ganhamos um aeroporto de mosquitos. Perdemos a elasticidade da pele. Ganhamos rugas de preocupação. Perdemos sono ao sobrecarregar a agenda do dia. Ganhamos perturbação de espírito. Perdemos tudo, só não perdemos a barriga de bebedores de cerveja. Por mais que a gente corra, pule e grite, a barriga continua firme. A barriga saliente funciona como um ponto de referência, tipo o Pão de Açúcar. – Bem ali do lado daquela barriga. A barriga saliente também funciona como saco de pancadas: – Tá usando capacete na barriga? Nas mulheres, pode virar constragimento: – Quantos meses? É menina ou menino? E nesses tempos em que vale a lei do nenhum esforço, de escadas rolantes, elevadores, carros, correias transportadoras de malas, controles remotos para abrir cortinas, e que a bunda virou o centro do universo, corre-se o sério risco de ter que carregar a barriga em um carrinho de mão. Evidente que isso tudo não passa de humor barato. A perda mais terrível é a perda de tempo. Perdemos tempo atirando o tempo pela janela ao jogar paciência no computador. Perdemos tempo fazendo as coisas urgentes e deixando de fazer as importantes. Perdemos tempo lendo crônicas sobre “perdas”, iguais a esta.