Só porque o Natal...
Só porque o Natal é uma data carregada de um mundo de coisas, como um caminhãozinho de mudança que sacoleja pela rua esburacada em direção a alguma casa, também esburacada, queria cometer uma crônica em que você colhesse alguma semente e pudesse plantá-la num cantinho qualquer do seu coração, lá no fundo onde está o compartimento da gratidão humana.
Só porque o Natal é uma data carregada de um mundo de coisas, como um caminhãozinho de mudança que sacoleja pela rua esburacada em direção a alguma casa, também esburacada, queria cometer uma crônica em que você colhesse alguma semente e pudesse plantá-la num cantinho qualquer do seu coração, lá no fundo onde está o compartimento da gratidão humana. Só porque a data do Natal costuma dar uma canseira sem tamanho em todo mundo. Só porque semanas antes ninguém já não sabe da vida senão se preocupar e trabalhar nos preparativos natalinos. Só porque a data do Natal é pesada por conta das contas de mil e uma inutilidades, queria cometer uma crônica tão leve quanto a espuma das ondas que formam um fino cordão na areia da praia. Queria que nestes dias que antecedem o Natal você encontrasse um menino brincando no parque perto da sua casa e que, perguntado se acredita em Papai Noel, ele botasse toda a língua para fora e respondesse num fio de voz: “Acredito, mas só por mais esse Natal”. Dissesse isso e desaparecesse correndo atrás da bola, rápido como um foguete. Queria que a data do Natal fosse decisiva para a sua felicidade familiar, não somente no sentido material de um bom vinho, nozes, amêndoas, castanhas, figos, passas, peru, essas coisas todas, mas de um significado sentimental de abraçar os amigos e ouvir as vozes quentes deles desejando Feliz Natal. Queria que a data do Natal motivasse um novo tipo de celebração. De repente, você e a sua família partissem todos juntos e fossem dividir a alegria na casa dos amigos. E depois saíssem desta para a casa de mais amigos e buzinassem com certo alvoroço e eles viessem à janela, sorrissem e descessem para recebê-los de braços abertos, como verdadeiros irmãos. E já de madrugada, se juntassem a todo mundo num espírito fraterno. Queria que a data do Natal servisse para reavivar em você a chama de boas lembranças, como a da busca do capim. Você deixava que o sol fosse embora e subia a colina atrás da sua casa, com a foicinha afiada, a pegar grama fresca para saciar a fome burrinho faminto que logo mais à noite, traria no lombo o Menino Jesus com os presentes, ansiosamente esperados. Queria que, enfim, que neste Natal você não fosse repetindo sempre as mesmas frases: “O ano passou tão rápido que nem vi”; “Espero que o ano novo seja melhor, pelo amor de Deus”; “É, fazer o quê, Natal de pobre é no dia 26”; “Se o Betinho não fosse tão capeta, eu ia dar um presente melhor”; “Eu quero ver se a partir do dia primeiro de janeiro mudo tudo na minha vida”; “Vou deixar passar o Natal e depois arrumo um jeito de pagar as contas bem devagarzinho”. Na verdade, só queria mesmo que, aproveitando o gancho do Natal, você acreditasse que tudo o que pode ser imaginado existe e que os sonhos, como as asas dos pássaros, nos ajudam a voar e a viver.