Primeiro desfile
É da emoção do primeiro desfile de carros alegóricos que quero contar a você
É da emoção do primeiro desfile de carros alegóricos que quero contar a você. Quando foi? Há milhares de anos, provavelmente em 1969. Tinha eu sete anos de idade e um rostinho de quem ainda caligrafava o colchão de palha de milho com urina, sob efeito das medonhas estórias de almas penadas contadas pelo meu avô Pedro.- Vamos, rápido, vá lavar os pés que depois iremos assistir ao desfile de carros alegóricos.
- Já estou indo, mãe!
Larguei o rabo do gato e corri ao tanque de lavar roupas que ficava ao lado do riacho das sanguessugas.
Derramei um pouquinho de água sobre os pés. Com a mão em concha, molhei o queixo. No restante do rosto a água não chegou. Esfreguei as mãos na bermuda com os fundilhos detonados pelo sobe-desce em árvores, e com estas sequei os pés e o queixo.
Do tanque saí em desloucada carreira direto para o meu quarto, no qual vesti minha roupa domingueira e minha mãe me penteou até não poder mais.
Logo depois do almoço, embarcamos na carroceria de madeira do F350 do Simionatto, onde nos juntamos aos outros passageiros cheirando à naftalina.
Quase duas horas mais tarde, estávamos ao lado da majestosa Catedral.
A primeira imagem que me vem à memória é a de um mar de gente boiando pelas calçadas e ruas. As crianças, vestidas do modo mais desconfortável possível, aguardavam o desfile sentadas no meio-fio da calçada. Atrás delas, ficavam as mães estáticas. E atrás destas, os pais, riam e conversavam com as mãos o dialeto italiano cheio de ossos.
Os garotos mais corajosos e espertos empoleiravam-se nos galhos das árvores e espiavam a rua por entre as folhas. Além da vista privilegiada, tinham guarda-sol de graça.
Nas sacadas, e debruçadas sobre os peitoris das janelas, famílias se apinhavam. Parentes vindos do interior disputavam um minúsculo espaço, de onde podiam apreciar o corso. Entre outras coisas, o desfile adquiria uma função social, pois servia para reaproximar pessoas que não se viam há muito tempo.
Então, a imagem que tenho da Festa da Uva é esta: um mar de gente pela rua central da cidade. A outra imagem que me vem forte é o formigueiro humano correndo atrás do homem de chapéu de palha na cabeça, mirrado e seco, roupa de “riscado”, que distribuía uva às pessoas que se aninhavam ao redor dele.
De repente, abracadabra, hocus pocus. No meio da rua, surgiu o primeiro carro alegórico, puxando uma procissão de carros atrás de si, contando a saga dos imigrantes italianos. E lá no fim da rua, o carro das soberanas da festa. E bem no alto dele, a rainha, escoltada pelas princesas. Os aplausos rompiam sem cessar. Ao passar em frente ao lugar em que eu estava plantado, sólido como uma igreja, a rainha me abanou e sorriu. O coração pulou no peito como um cavalo enlouquecido. Não acreditei. Agitei meus bracinhos tão desastradamente que lembram os movimentos das asas de um ganso.
Como você pode perceber, tenho as imagens bem vivas do meu primeiro corso alegórico, só não tenho o tempo que passou naquela tarde de domingo.