Pessoas intoxicantes
Ninguém é inteiramente senhor da sua vontade.
Ninguém é inteiramente senhor da sua vontade. Vez por outra, tem a vontade curvada. Ainda há pouco, contra a minha vontade, precisei receber uma pessoa aqui no escritório de casa. E vou logo entregando que essa pessoa me intoxicou, não com com uma das coisas mais fedorentas da natureza humana que fica entre o pé e o tênis e se chama meia, mas com o seu sorriso. Para qualquer besteira que eu falasse, a pessoa respondia com risos. Não era uma risada aberta e colorida em ah, ah, ah, ah, mas fechada em eh, eh, eh. Era uma risada desprovida de qualquer autenticidade, portanto, altamente intoxicante. É duro, mas essa pessoa provocou em mim um mal-estar nauseante. Você bem sabe que não falta no mundo pau torto, formigas, mosquitos e pessoas intoxicantes. Certas pessoas são como herbicidas, pesticidas, raticidas, formicidas e outras substâncias tóxicas que envenenam, geralmente aos poucos. E não são somente os orgulhosos, os queixosos, os fracos, os invejosos, os caluniosos e os mentirosos que intoxicam sem dó nem piedade. Os orgulhosos usam andaimes. Acham que estão acima dos outros. Sabem mais que todo mundo. São tão imprescindíveis quanto o oxigêncio. O mundo, por certo, pararia de funcionar se não fosse por eles. Os orgulhosos acham que são a última gota de suco da laranja. Os outros são o bagaço. Ou a casca. O veneno dos orgulhosos é igual a uma cárie que aos poucos toma conta do dente e contamina a raiz. Os queixosos não sabem abrir a boca a não ser para reclamar. Reclamam do sol. Reclamam da chuva. Reclamam do calor. Reclamam do frio. Reclamam do irmão, irmã, pai e mãe, tio e tia, primo e prima, gato e cachorro. O queixoso tem sempre um motivo para encher a paciência de quem quer que seja. O queixoso reclama da própria sombra como se a sombra fosse um fardo. O veneno do queixoso é igual curare que os índios usam para asfixiar os peixes. Os fracos também provocam intenso desconforto. Os fracos tem olhos pidões e a voz enxarcada como uma toalha de banho. Vivem com os braços estendidos e as mãos em concha. Os fracos têm as pernas curvadas como dos parênteses. As toxinas dos fracos são iguais as da salmonela, pois logo acabam provocando dor de barriga que é onde o medo nasce. Os invejosos, os caluniosos e os mentirosos são igualmente intoxicantes, mas carregam uma plaquinha onde se lê: cuidado, produto tóxico. Nada, portanto, de ficar perto. Podem causar queimaduras e envenenamentos. Agora, também há pessoas aparentemente inofensivas e inexpressivas, porém são potencialmente intoxicantes. Com essas pessoas, o cuidado deve ser redobrado Há pessoas que conseguem provocar efeitos nocivos a partir de seus comentários vazios. – Pois é... Legal... Poxa... Perfeito... Sem dúvida... Com certeza... É isso aí... Há pessoas das quais sequer se desconfia de sua periculosidade, são os piedosos que vivem sentindo pena de você e todo mundo. A piedade sufoca e envenena. Sob o peso do piedoso, a respiração acaba ficando pesada. – Coitado, que pena... Vê se pode, coitadinho... Ninguém escapa das pessoas educadas, fãs do Caetano, vestem-se bem e sabem elogiar como ninguém. Chegam a provocar naúseas. – Não conheço ninguém que consiga fazer o que você faz... Você é o máximo... Você é um gênio... Você sabe tudo... Me empresta cem? E não há carbono capaz de curar a intoxicação causada por esse tipo de pessoa.