Parreiral de ovo
Ainda ontem, uma adolescente me interpelou na rua: – Você é o Flávio Luis Ferrarini? – Às vezes – respondi.
Ainda ontem, uma adolescente me interpelou na rua: – Você é o Flávio Luis Ferrarini? – Às vezes – respondi. E vou logo dizendo a você, com a sinceridade que me é peculiar, nessa crônica sou cem por cento Flávio Luis Ferrarini. Como todo mundo, também acabei dando uma volta no shopping nesses dias que antecedem o feriado de Páscoa. Logo na entrada, deparei com um grande parreiral, não de chuchu ou de uva, mas de ovos de chocolate. Ovos de chocolate, envoltos em cambiantes papéis laminados coloridos. Ovos de chocolate maduros, prontos para serem colhidos por pares de mãos ávidas. Debaixo do parreiral de ovos de chocolate, até mesmo os chocólatras não assumidos, abriam-se em interjeições de gulidices. “Oh, que maravilha”... “Uhmmm, que vontade de pegar um monte e encher o carrinho de ovo”. Tenho por mim que não há coelho que consiga passar incólume debaixo dos parreirais de ovos chocolate. As tentações são absolutamente (me perdoe o adjetivo) irrestíveis. Se não bastasse o espetáculo de cores e sabores que nos prendem pela boca e olhos, ainda há as ofertas que nos pegam pelo bolso. Vai ver que quando o Almirante Pedro Álvares Cabral e sua tripulação, ao evitar as calmarias no caminho para as Índias, avistou o Monte Pascoal em Porto Seguro na Bahia, na época da Páscoa do ano de 1500, deve ter inicialmente pensado que o acidente geográfico fosse um ovo de chocolate gigante, com mais de quinhentos metros de altura. Então é isso, o negócio da Páscoa no Brasil começa com o Pascal do Cabral (desculpe-me a rima pobre). Páscoa converteu-se em dezenas de milhares de ovos de chocolate. Páscoa resumiu-se a uma contabilidade de ovos. A coisa é tão séria que minhas sobrinhas tem certeza de que Páscoa significa “ovos de chocolate”, postos por coelhos que elas imaginam serem ovíparos. Disse a elas, com ar professoral, que a Páscoa é a mais importante festa da cristandade, o nome vem do hebraico Pessach, cujo sentido símbolico é passagem. Expliquei que a Páscoa tem a Quaresma que inicia na quarta-feira de cinza e termina no domingo de Ramos, exatamente uma semana antes da Páscoa. Depois vem a Quarta-Feira Santa, que é a Celebração do Encontro. Na Quinta-Feira Santa se celebra a instituição da Eucaristia por Cristo e que também tem a cerimônia do lava-pés. Contei a elas que numa dessas cerimônias o padre lavou meus pés e fiquei tão orgulhoso e feliz que durante uma semana meus pés não viram mais água nem nada. As duas se sacudiram de rir. Apesar da ironia, não desisti de andar com a explicação. Disse que acho Sexta-Feira da Paixão muito triste, uma vez que lembra o julgamento, paixão, crucificação e morte de Cristo. Em seguida vem o Sábado de Aleulia e, por fim, o Domingo da Páscoa, a ascenção do Senhor que nos redime a todos. Minhas sobrinhas deram-me em troca uma cara de Ãh?!?, como se eu fosse lá, quem sabe, um coelho... um velho coelho escondido num ovo de chocolate.