Paraísos
Pois anime-se, Deus em sua misericórdia e sapiência criou paraísos para atender os adeptos das mais diferentes religiões, desde as monoteístas, como as abraânicas e não abraânicas, até as dharmicas e pagãs.
Pois anime-se, Deus em sua misericórdia e sapiência criou paraísos para atender os adeptos das mais diferentes religiões, desde as monoteístas, como as abraânicas e não abraânicas, até as dharmicas e pagãs. É bem possível que tenha uma espécie qualquer de Éden até para os ateus. Assim, haverá o jardim do Éden para os hebraícos, o Nirvana para os budistas, o Valhalla para os vikings, os Elíseos para os gregos e até os paraísos fiscais para os corruptos. Além de paraísos personalizados para os religiosos mais fervorosos, haverá setorizações e particularizações. Para os baianos, o paraíso terá redes espalhadas por toda parte, muita água de coco, vatapá, o mundo pecando de roupa mínima e nenhuma sirene irritante chamando para o trabalho. Para os descendentes de italianos, o paraíso terá mesas fartas e compridas como esperança de pobre, com pão, salame, queijo, biscoito, cuca e muitos garrafões de vinho tinto. Como não haverá nada ou ninguém para ser invejado, basta passar a régua e pronto. Para as peruas, o paraíso terá muitos cachorrinhos, vestidos com roupinhas e gravatas ridículas, perfumados e escovados até não poder mais. Evidente que não faltarão mesas de cirurgiões plásticos para fazer um novo nariz, uma bunda nova, erguer a testa, peeling químico, fazer a barriga, suspender os peitos... essas coisas todas essenciais para conquistar a simpatia alheia. E o que é mais interessante, sem aquela dor lancinante e devastodora do pós operatório. Para os executivos, o paraíso terá mesas de reuniões de todos os modelos e formatos, ar condicionado programado no nível “polar”, café expresso, chá, água mineral francesa e, claro, puxa-sacos em toda parte. Para os políticos, o paraíso terá, além de ilhas paradisíacas, pessoas do povo para que possam enganar com tapinhas nas costas e promessas vazias, plenários, plenarinhos, parlamentos e, principalmente, bancos para receber sobras de campanha e outros donativos. Para os bêbados, o paraíso será um paraíso comum com mata, rios e cascatas, praias e piscinas enormes. A única diferença é que todo o líquido apresentará teores alcoólicos variados. Desde o baixo teor da cerveja até o estratosférico teor da tequila mexicana. Para as fofoqueiras, o paraíso terá casas geminadas, com parapeitos onde apoiar os cotovelos e calçadas movimentadíssimas. Vizinhas botando galhadas enormes na cabeça do marido. Padres usando batina, polícia suando a camisa correndo atrás de pivetes, moçoilas mostrando a documentação toda e todo o imenso circo social. Para os argentinos, o paraíso será particularizado, pois de cada 10 argentinos, 11 sentem-se superiores aos outros e, sobretudo, o argentino admira Deus porque foi Ele quem o criou. Para os beatos e beatas, o paraíso terá jardins floridos o tempo todo, céu azul, campos verdes, lagos tranquilos, a aurora que rompe, cotovias que cantam, anjos que descem por escadas de seda e rosários por toda parte, com as 165 contas em ouro. Para os escritores, o paraíso terá, obviamente, prateleiras altas até o céu, cheias de livros, com velhinhas assanhadas beliscando a bunda deles no meio da rua. Como não pode deixar de ser, haverá ruas lajeadas estreitas, prédios antigos, praças e bancos para os escritores observarem o movimento envoltos em nuvens de melancolia.