Para que serve um Poeta?
De vez em quando me atiram a pergunta à queima-roupa, com indisfarçável desdém
De vez em quando me atiram a pergunta à queima-roupa, com indisfarçável desdém:– Para que serve um poeta?
E vão além:
– Para que serve um poeta num mundo cuja ordem é “Vamos maximizar os lucros”?
Às vezes, respondo à pergunta com outra pergunta:
– Para que serve uma árvore de passarinho no jardim?
Recebo o silêncio como resposta. Insisto:
– Para que servem as estrelas no céu?
Para a grande maioria das pessoas, com a cabeça mais fechada que uma ostra, o poeta é um ser invisível para o mundo. Inútil, como um prego torto à beira da oxidação. Sem serventia, como uma arbusto à beira da estrada. Imprestável, como um pensamento raso à beira do sono.
Somente alguns poucos adivinham que o poeta é um lançador de bóias para os náufragos. Apenas alguns poucos sabem que o poeta atordoa a moralidade caquética, a mediocriadade do cotidiano e a insanidade do mundo cão. Só alguns poucos têm a lucidez para entender que o poeta ensina a pensar e a sentir. Aprender a pensar e a sentir é ser livre.
Poucos são os que têm a capacidade de compreender que a poesia é uma maneira diferente de ver o mundo, de ver beleza onde não tem. Poucos tem o dom de introspectar que a poesia é uma máquina de comover. Poesia é como carvão que é lenha guardada.
Quase ninguém junta ideia que a poesia nasceu das palavras e da arte encantatória. A poesia é mágica e não tem nenhuma obrigação de ser utilitária ou engajada.
Quase ninguém se dá conta de que poesia não é só função social, mas também beleza. Como a vassoura que tem a função de varrer, mas também pode entrar num poema simplesmente pelo fato de ser uma palavra bonita. Nada mais que isso.
Somente para ilustrar este texto... O talento do poeta é mais uma condenação do que propriamente uma bênção.
Por mais dura que seja a vida, o poeta pode tocar, com a sua poesia, o coração das pessoas, que é uma máquina complicada, onde tudo acontece.
Muitos pensam que o poeta ganha rios de dinheiro e vive sob os holofotes da fama. O poeta não tem nada. Não tem aplausos. O poeta não tem dinheiro nem para comprar o sono para dormir à noite. O poeta é sozinho. Escrever é um ofício muito solitário e o ato de escrever não tolera a presença do outro.
O poeta tem a missão de escrever para que o leitor se fortaleça e caminhe na luz. Para evitar que o coração das pessoas se torne um terreno tão árido que somente pequenos animais peçonhentos consigam sobreviver nele, como as aranhas, escorpiões e o diabo. O poeta nada mais faz que atirar boias para os náufragos.
Por mais dura que seja a vida, por mais sacrificado que seja o dia, somente o poeta atual no sentido maior de mudar o panorama que se estende sobre as horas como uma coberta fria. Essa coisa ressequida que se tornou o coração humano.
O poeta tem a missão de fazer com que os valores em 'ade' não sejam tomados e destruídos pelas ervas daninhas dos valores em 'ão'. Amizade, honestidade, sinceridade, liberdade e bondade triunfem sobre tradição, revolução, traição, corrupção e destruição.
Talvez a única recompensa que o poeta tenha seja a de poder dividir-se em muitos, enquanto o leitor soma os muitos em que o poeta se dividiu.