Pai durão
Desde sempre meu amigo dizia que seria um pai durão. Desses que puxam a orelha do filho com a mesma facilidade com que puxam o lençol na hora de se deitar. Nada de negociações intermináveis para readquirir o controle sobre o controle remoto do aparelho de televisão ou do mouse do computador.
Desde sempre meu amigo dizia que seria um pai durão. Desses que puxam a orelha do filho com a mesma facilidade com que puxam o lençol na hora de se deitar. Nada de negociações intermináveis para readquirir o controle sobre o controle remoto do aparelho de televisão ou do mouse do computador.É claro que, por outro lado, imaginava-se, também, um pai amoroso, desses que ficam sentados na cabeceira da cama entoando enjoadinhas canções de ninar. Imaginava-se um pai com pelo menos meia dúzia de braços, um para afagar, outro para dar colo, mais um para segurar pela mão no subir e descer escadas, outro para secar as lágrimas e o último para apavorar os coleguinhas valentões, comedores de batata-doce e polenta.
De igual modo, zelaria para que o monstro debaixo da cama não pegasse o filho pela perna na hora de levantar para fazer xixi.
– Nem tente qualquer coisa contra meu filho seu diabinho, caso queira se ver comigo – advertiria, em voz alta.
Na verdade, propunha-se a determinar e consertar o futuro do seu filho no intuito de moldá-lo ao seu gosto. Cuidaria em abastecê-lo de regras de conduta, exemplos e conhecimentos para que a ignorância não lhe escapasse na cara, como tinha acontecido com um primo distante.
Acredite: meu amigo construiu esses planos todos antes mesmo de conhecer a mãe de seu filho.
Mas espere que, ao conhecer aquela que viria a ser sua mãe e trocar algumas ideias a respeito de educação dos filhos, percebeu uma incrível comunhão de pensamentos.
O filho do meu amigo teria não um, mas dois impassíveis blocos de concreto para tentar amolecer com choramingos e outras chantagens emocionais, costumeiramente postas em prática pelos pequerruchos.
O meu amigo e sua mulher usariam palavras duras, sempre que necessário.
– Filho, ande a escovar os dentes – ordenaria a mãe.
– Agora você vai estudar e pronto – emendaria o pai, impassível.
– Tudo bem se não quiser mais usar o tênis que estava novo até dois minutos atrás, mas trate de acostumar-se a andar descalço sobre os paralelepípedos ferventes – explodiria a mãe, antevendo uma situação parecida.
Acontece que em um belo dia de março do ano passado o filho deles nasceu.
Com o passar do tempo, adeus reprimendas duras, vontades negadas, vigilância, ordens, disciplina de caserna, poses rígidas. As armaduras cheias de buracos, pai e mãe bobos, súditos do pequeno-grande imperador do reino doméstico.
O golpe de misericórdia, entretanto, aconteceu-lhe ainda há pouco. O filho apareceu em casa com os joelhos esfolados.
– Ah, meu Deus, o que aconteceu? Por favor, fale logo!
– Esborrachei-me ao saltar sobre a cerquinha do parque!
O meu amigo já tinha advertido várias vezes o filho sobre o risco de vir a machucar-se na cerca, porém, assim, de repente, a língua travou e a dor do filho passou para ele.
Cinco segundos depois lá estava meu amigo, assustado, joelhos batendo um contra o outro com tanta força que quase racharam, munido de antisséptico, gaze, algodão e Mertiolate com sopro – a farmácia inteira para aplicar o curativo no machucado do filho.
Definitivamente, a educação firme com que meu amigo sempre sonhou não tinha mais curativo algum capaz de reabilitá-la, para o bem de seu filho, que é uma pipa voando solta, livre e feliz.