Flávio Luís Ferrarini - In Memoriam

Flávio Luís Ferrarini - In Memoriam

Flávio Ferrarini

In memorian

Natural de Nova Pádua, Flávio Luís Ferrarini mudou ainda adolescente para Flores da Cunha (RS), onde fixou residência. Era publicitário e colunista dos jornais O Florense – desde seu início, em 1988 – e Semanário, de Bento Gonçalves. Além disso, Ferrarini, colaborava com vários sites literários.

Entre seus reconhecimentos, está o empréstimo de seu nome à Biblioteca Pública Municipal de Nova Pádua e ter sido escolhido Patrono da 30ª Feira do Livro de Flores da Cunha.

Suas obras mereceram artigos elogiosos, como o de José Paulo Paes, ensaísta, poeta e tradutor brasileiro. Ferrarini acumulou resenhas entusiastas em importantes publicações literárias do Brasil.

Flávio Luís Ferrarini publicou seu primeiro livro individual em 1985, abrindo uma série de dezessete obras, nos gêneros de contos, crônicas, poesia, poesia em prosa, novela e narrativas infanto-juvenis. O colunista morreu em um acidente de trânsito em 16 de junho de 2015. Suas crônicas permanecem no site como forma de homenagem póstuma.

 

Contatos

O presépio de barba-de-bode

Você ainda lembra como eram os presépios da sua infância?

Você ainda lembra como eram os presépios da sua infância?
Por falar em presépio, você sabia que o primeiro presépio do mundo foi montado por São Francisco de Assis, em 1223, na floresta de Greccio?
Agora, com a chegada da época do Natal, deixe-me contar a você como eram os presépios da minha infância, muito diferentes, por sinal, do espetacular presépio de rolhas de Ana Rech – a Vila dos Presépios ou esses pomposos presépios dos shoppings centers que em nada lembram a manjedoura humilde em que Jesus nasceu.
Todo presépio começava a ser montado pela barba-de-bode. A busca iniciava nos primeiros dias de dezembro. Promovíamos grandes expedições aos bosques à cata de barba-de-bode nas plantas selvagens.
Num desses inesquecíveis natais da minha infância, atapetei mais da metade do chão de tábuas largas do quarto, no qual nossa família guardava provisões, como açúcar, sal, farinha e café. O cômodo ficava ao final do corredor. Dispus uma camada tão alta de barba-de-bode que podia esconder as pernas de um homem até os joelhos.
Em meio a camada generosa de barba-de-bode, três estradelas asfaltadas com musgo verde e uma lagoa feita de espelhos. Num canto, plantei um galho de pinheiro. Nele pendurei papéis coloridos e tampinhas de refrigerantes. Embaixo do pinheirinho, coloquei o menino Jesus de louça barata, com as mãos fortemente entrelaçadas contra o peito, na altura do coração. Não esqueci de arrebanhar ovelhas de pano e pastores de sabugo de milho. Pertinho da entrada do presépio pus um pote com água e um feixe de capim fresco para a mula que iria trazer o menino Jesus com o presente.
A montagem do presépio tinha sido um dia de trabalho longo e cansativo. O cansaço serviu de remos para me levar mais cedo à cama, por volta das nove da noite.
Ah, demorado sono, o rolar de um lado para o outro. Esperar até que a manhã raiasse para sair correndo buscar o presente deixado pelo menino Jesus. O silêncio pesado sobre a espera de um ano inteiro. Tentei agarrar o sono com as duas mãos, porém era o mesmo que tocar trombone com as varetas presas.
Somente depois que o cansaço me derrubou, consegui dormir.
Cinco horas da manhã, o dia começou a desenhar os primeiros fios de claridade. Deitei a correr feito louco em direção ao presépio. Voltei ao meu quarto e gastei uma hora apertando o presente contra o peito até que o dia clareou.
Duas horas mais tarde, estávamos todos defronte à minha casa, mostrando os presentes uns para os outros. E eram inagurados ali mesmo: o revólver com cabo de chifre, o caminhão com caçamba para transportar sonhos, a camisa vermelha para colorir o mundo e... a minha bola de plástico. A única bola entre uma dúzia de meninos.
– Fique no gol – ordenei para o meu amigo Tchesco.
Ele plantou-se entre dois troncos de árvores e exclamou:
– Não mande bomba, hein!
Procurei um montículo de terra, posicionei a bola, tomei quase um quilômetro de distância:
– Vou mandar bem na gaveta – gritei, embora a tal da gaveta fosse coisa imaginária.
Vim correndo e chutei a bola nova com toda a força dos meus oitos anos. A bola ganhou altura e tchibum. Ficou espetada num espinho em meio a um tufo de barba-de-bode. Rompi num choro de menino recém-nascido. Talvez fosse o choro do próprio menino Jesus.