O moinho do Mazzochin
Pois sábado último refiz de moto a trilha que quando criança fiz com a mula Lorego.
Pois sábado último refiz de moto a trilha que quando criança fiz com a mula Lorego. Deixe-me contar a você como foi a aventura com a Lorego que não guardava nenhuma semelhança com A Mula do Papa de Daudet. Lorego não era meiga como um anjo. Tinha eu de sete para oito anos de idade. Você não sabia que eu existia e o resto do mundo também não. Estou trazendo o fato ao papel porque, sei lá... Talvez seja porque queira rememorar os meus infortúnios. Você sabe que quando o mar secar só ficarão os peixes, ou seja, as lembrancas. Era uma tarde de verão saudável. O sol raiava. As cigarras cantavam. O vento soprava uma brisa leve e agradável. Papai vestiu a Lorego com os arreios todos. Em seguida embarcou-me nela. Pela primeira vez na vida, sozinho no alto da mula, senti-me tão apavorado quanto um goleiro na hora do pênalti, tentando escolher um lado para cair. Ao invés de encorajar-me, papai recomendou: – Volte logo! – Se Deus quiser – respondi, atirando os olhos ao chão. E baixinho, entre os dentes, implorei: – Ajude-me, meu Deus! Dei partida por meio de uma onomatopéia e Lorego meteu-se a trotar pela trilha povoada de urtigas. De repente, Lorego estancou e baixou a cabeça para comer uma gramínea. O movimento brusco transformou o pescoço da mula em tobogã. Por muito pouco não escorreguei mundo abaixo, o que fez a própria mula rir. Hora e meia após a partida, finalmente Lorego estacionou debaixo da varanda do moinho colonial do Velho Mazzochin. Já contei a você que a minha boca era uma taipa de silêncios e meus olhos eram um pátio sem crianças brincando. Não dei aviso de mim. Esperei, mudo como um peixe, o Velho Mazzochin vir socorrer-me. Tirou o besta montado na besta maior. Em seguida, descarregou o saco de milho. Com as pernas mal plantadas, confuso e cheio de vergonha, não sabia o que dizer e o que fazer. Graças ao meu bom Deus, o Velho Mazzochin tomou a iniciativa: – És filho de quem? Demorei um bocado para responder. A timidez doentia fez-me esquecer de meu próprio sobrenome. – Do Ferrarini – balbuciei. Dado a me conhecer, o Velho Mazzochin colocou os grãos de milho para serem moídos pelas mós de pedra. Fiquei observando-o ir de um lado a outro, mexer em correias, apertar parfusos, perseguir um rato com um porrete. Um século e meio mais tarde, com os grãos transformados em farinha, o Velho Mazzochin botou-me de volta ao trono. Afoita, Lorego logo pôs-se em marcha. Tudo teria transcorrido normalmente, não fosse o maldito casal de saracuras ter feito o que fez naquela hora e naquele lugar. A mula Lorego deu uns saltos tão violentos que despachou-nos: o saco de farinha e eu para o meio do chão. Lorego logo disparou mundo afora. Entupido de dor e cansado da viagem, deixe-me ficar sentado sobre o saco de farinha, perto de uma árvore que jogava uma sombra comprida para o lado da trilha. Devia ser perto das seis. De repente, cochilei e dormi. Só dei por mim com a noite recolhendo os últimos fios de claridade e uma expedição barulhenta, rezando alto e gritando pelo meu nome. Resumo da história: Lorego chegou à casa sozinha, leve e tranquila, sem o peso do saco de farinha e do aparvalhado que a conduzia.