O grande Antam
Meados de dezembro. Fim do ano escolar, meu pai prometeu que me levaria para conhecer o grande Antas.
Meados de dezembro. Fim do ano escolar, meu pai prometeu que me levaria para conhecer o grande Antas.– É só o tempo de terminarmos de capinar o parreiral.
Habilidosamente, porém, papai passou a explorar-me, convertendo a promessa em obediência.
– Ande com isso... Pegue aquilo... Vá buscar pasto para os bezerros...
Apesar das tarefas, eu danava a correr, segurando a cabeça com as duas mãos como se ela fosse voar de tanto contentamento. Afinal, iria conhecer o tão falado Rio das Antas. Passou o Natal e veio o Ano Novo. E a promessa passou para a semana seguinte. E esta acabou adiada para a próxima. E a uva começando a pintar no parreiral.
Enquanto isso, tonificava meus músculos no cabo da enxada para não dar vexame na hora de colher, do Antas, um peixe do tamanho de um homem com meu anzol de tostão.
– Amanhã, antes de romper o dia, iremos de uma vez por todas – tornou a prometer meu pai.
Perdi as horas mais macias do meu sono e nada dele despertar-me. Entreguei a Deus a minha sorte e, morto de sono e cansaço, adormeci. Logo em seguida, clareou o dia.
– Acorda, filho, vamos cortar o pasto – era a voz grave de meu pai com a cara bem perto da minha orelha.
O sonho Rio das Antas ficou para as férias escolares do meio do ano. As esperanças emagreceram e caíram com as folhas do outono. Julho já ia adiantado quando o inesperado aconteceu.
– Vamos logo – disse meu pai – arrume suas coisas e vamos pescar no Antas.
Não pude conter a euforia com o convite aguardado há tanto tempo. Feito um cão feliz ante a possibilidade do osso, saltitava e jogava os braços para o alto sem parar. Emendei-me em disparada até a horta, onde minha mãe semeava couve-flor. Dei-lhe a notícia com a voz embargada pela emoção. Agarrada à cerca de pedra, aramada na parte superior, mamãe jogou-me na cara um rosário de recomendações:
– Tome cuidado com as caranguejeiras, os escorpiões, as cobras coral...
Voltei correndo...
– Pegue suas coisas, vamos – gritou meu pai, debaixo do pé de cinamomo, colocando o cinto na mula que prendia os adornos à cela.
Nem deu tempo de meu pai olhar para uma nuvem que eu já havia recolhido o velho boné surrado de guerra, o chinelo de tiras de borracha presas à sola com pequenos pregos, o bornal com o bodoque e o caniço.
Logo tomamos a estrada que subia para o sul até a capela. Cruzamos por um campo lavrado e adentramos uma trilha na mata fechada que serpenteava o vale das grandes sombras. Meu pai ia à frente, embarcado na mula que imprimia um ritmo elástico à aventura. Eu ia atrás cantando por dentro, com os braços remando contra o vento e o rosto afogueado de animação. De vez em quando tinha que dar uns saltos para não perder-me dele. Finalmente iria conhecer o Antas e quase que meu coração se desrepresou de felicidade. Dentro de pouco tempo, ele iria conter o Antas em suas lembranças de infância.
– Pare de ficar andando em círculo igual a uma mosca tonta – advertiu meu pai, que apressava a mula com a vime.
Mais de duas horas após a partida pude sentir a brisa que vinha do Antas. Agora estava bem perto de ver, pela primeira vez em minha vida, o grande Antas.
Logo depois do enorme ipê paralelo à trilha povoada de urtigas que mordiam meus pés nus, o Antas abriria seu roupão para mim.