Ladrões de sombras
Que há nesse, e talvez mesmo em outros mundos, muitos tipos de ladrões...
Que há nesse, e talvez mesmo em outros mundos, muitos tipos de ladrões, você e eu bem sabemos. Dos calibres mais baixos aos mais pesados. Dos quase inofensivos à sociedade aos extremamente perigosos que nos fazem perder, por alguns momentos, a fé no ser humanoOs mais comuns são os ladrões de galinha que pulam cercas e tomam corridões dos donos e mordidas nos traseiros dos cachorros que guardam a propriedade.
Se for para empregar o coletivo de ladrão, imediatamente lembramos da corja que saqueia os cofres públicos e costuma safar-se com Habeas Corpus.
Há os 40 ladrões de Ali Babá.
Há ladrões de bancos. Ladrões de joalherias. Ladrões de carros. Ladrões de bicicletas. Ladrões de gado. Ladrões de sonhos. Ladrões de calcinhas. Sim, houve em um período recente, um ladrão que tinha prazer sexual em roubar calcinhas estendidas em varais da noite. O fluxo de libido lhe era imensurável.
Há ladrões intelectuais que roubam ideias, projetos, planos e até versos. Confesso que eu mesmo já roubei de Manoel de Barros, Quintana, Lispector, Goethe e muitos outros escritores.
Há ladrões com cabelo pintado e correntinha no tornozelo que roubam para alimentar o vício que um dia os matará, por certo.
Há ladrões muito bem-sucedidos que roubam fortunas. Enricam tanto que nunca mais param de beber vinho importado e saborear uma boa picanha. Compram lanchas e fazendas de gado. Andam de jatinho com a amante “cachorra” a bordo. Vivem presos atrás das grades de suas mansões e são invejados.
Por incrível que pareça, está surgindo um novo tipo de ladrão que atua apenas nas areias da praia. Não roubam dinheiro ou pertences pessoais. Furtam algo aparentemente insignificante, mas de grande valia.
Você não haverá de acreditar, mas nessas férias fui vítima de ladrões extremamente sagazes, especialistas em roubar sombras. Sim, espantado leitor, agora, nas areias das praias transformadas em imensas florestas de guarda-sóis, há ladrões de sombras. Quando você se levanta da cadeira para dar uma caminhada ou apenas para banhar seus pés, ao retornar percebe que a sombra do seu guarda-sol foi roubada. Foi o que me aconteceu. Por não encontrar o que dizer, resmunguei apenas:
– Senhora? (A gatuna era uma jovem senhora de formas estonteantes, realçadas pelo brozeado e biquíni branco. Abdômen perfeito, sem aquele anão deitado na barriga).
– Sim.
– Devolva minha sombra.
– Sombras pertencem a todos, como o canto dos pássaros.
– Mas não a do meu guarda-sol.
– A minha também foi roubada pelos vizinhos ao lado, não vês?
– Azar o seu. Tome-a de volta.
A ladra era dura na queda. Antes que o bueiro explodisse, simplesmente peguei meu guarda-sol e me mandei dali.
Pois é, assim que tudo funciona: uns roubando para conseguir um lugar ao sol e, outros, furtando sombras.