Flávio Luís Ferrarini - In Memoriam

Flávio Luís Ferrarini - In Memoriam

Flávio Ferrarini

In memorian

Natural de Nova Pádua, Flávio Luís Ferrarini mudou ainda adolescente para Flores da Cunha (RS), onde fixou residência. Era publicitário e colunista dos jornais O Florense – desde seu início, em 1988 – e Semanário, de Bento Gonçalves. Além disso, Ferrarini, colaborava com vários sites literários.

Entre seus reconhecimentos, está o empréstimo de seu nome à Biblioteca Pública Municipal de Nova Pádua e ter sido escolhido Patrono da 30ª Feira do Livro de Flores da Cunha.

Suas obras mereceram artigos elogiosos, como o de José Paulo Paes, ensaísta, poeta e tradutor brasileiro. Ferrarini acumulou resenhas entusiastas em importantes publicações literárias do Brasil.

Flávio Luís Ferrarini publicou seu primeiro livro individual em 1985, abrindo uma série de dezessete obras, nos gêneros de contos, crônicas, poesia, poesia em prosa, novela e narrativas infanto-juvenis. O colunista morreu em um acidente de trânsito em 16 de junho de 2015. Suas crônicas permanecem no site como forma de homenagem póstuma.

 

Contatos

Juro, eu vi

Eu vi Caetano Veloso cantando Alegria, Alegria no Festival da Record, que consolidou grandes intérpretes e compositores da nossa música popular brasileira. O Festival aconteceu no Teatro Paramount, com Chico Buarque, Edu Lobo, Gilberto Gil, Elis Regina, Sérgio Ricardo.

Eu vi Caetano Veloso cantando Alegria, Alegria no Festival da Record, que consolidou grandes intérpretes e compositores da nossa música popular brasileira. O Festival aconteceu no Teatro Paramount, com Chico Buarque, Edu Lobo, Gilberto Gil, Elis Regina, Sérgio Ricardo. Eu vi Caetano cantando e caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento, com o sol se repartindo em crimes, espaçonaves, guerrilhas, em cardinales bonitas, mas juro que não entendi o que o tropicalista queria dizer com isso tudo, mas juro que eu vi.
Eu vi os endeusados artistas da jovem guarda Roberto Carlos, Erasmo e Vanderléia explodindo os costumes, com suas gírias descoladas, guitarras elétricas, roupas maneiras e mandando todo mundo para o inferno nos versos Quero que você me aqueça nesse inverno / e que tudo mais vá para o inferno.
Eu vi Odair José perseguido pelos militares e tendo sua canção Um dia só (Pare de tomar a pílula) vetada por causa do refrão Pare de tomar a pílula e deixe o nosso filho nascer. Tudo porque o governo patrocinava uma campanha nacional de controle de natalidade.
Eu vi Dom e Ravel, intérpretes da canção ufanista Eu te amo meu Brasil serem cumprimentados pelo presidente Emílio Garrastazu Médici. Por incrível que pareça, pouco antes disso, vi os filmes de kung-fu serem proibidos por conterem ‘substrato maíosta’.
Eu vi na vitrine o que a censura não viu: a capa do inovador disco Tom Zé e Todos os Olhos que trazia um ânus fotografado bem de perto com uma bolinha de gude no meio, simulando um olho. Também vi o bicho-grilo Caetano dançar e se requebrar nos versos de sua Deixa eu dançar / pro meu corpo ficar odara, com a censura acusando-o de ser alienado e alienante dos jovens.
Eu vi o bolero brega do Valdick Soriano com seus versos Eu não sou cachorro, não / pra viver tão humilhado / Eu não sou cachorro, não / Para ser tão desprezado serem transformados rápida e curiosamente em versos populares de protesto contra o autoritarismo da ditadura militar. Eu vi o mesmo Valdick Soriano ter a sua canção Tortura de Amor ridiculamente vetada por conta do título.
Eu vi Fábio Jr. com seu violão na novela Pai Herói cantando a canção Pai. Eu vi em pleno sábado à noite na casa de um amigo que era de verdade e não desses que se faz rápido como saquinhos de pipoca. Vi e decorei um pedacinho da canção: Senta aqui que o jantar tá na mesa... Me perdoa essa insegurança... É que não sou mais aquela criança que um dia morrendo de medo. Vi e voltei da casa de meu amigo com uma lágrima fria escorrendo pelas canelatas do rosto.
Eu vi os versos A gente não sabe escolher presidente / a gente somos inútil gritados pelo vocalista Roger da banda de pop rock Ultraje a Rigor, que inclusive inspirou a escolha do nome do meu filho, virando trilha sonora da redemocratização do Brasil.
Eu vi Renato Russo e seus companheiros da Legião mandando um recado direto contra os anos de chumbo nos versos da canção Geração Coca-Cola: Desde pequenos nós comemos lixo / comercial e industrial / mas agora chegou nossa vez / vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês.
Eu vi e testemunhei tudo isso e muito mais...
E você, jovem e raro leitor, o que tem visto e ouvido? Teretetê... Teretetê... Tchu tcha tcha tchu tchu tcha... Ai, se eu te pego, ai, ai, se eu te pego... Oi, oi, oi... Ai, ai, ai, ai, ai, ai, assim você mata o papai...