Geração de mudos
Família de japoneses na sala de embarque
Família de japoneses na sala de embarque. O pai no notebook como uma galinha catando milho com o bico no chão. O filho com as melenas à maneira da cordilheira do Himalaia, coloca o vídeo game em apuros. A mãe envia mensagens a naufragos pelo celular.O tempo líquido escorre por entre os dedos sem que ninguém diga meia palavra. Mudos como peixes.
De repente, o silêncio entre os três torna-se quase insuportável. O filho intica o pai com gracinhas. O pai franze as sobrancelhas, fecha os punhos e dispara:
– Para!
O filho ri em ih-ih-ih como um ratinho.
– Pô, Gerente, qual é?
(O filho chama o pai de "Gerente")
A mãe tira os olhos do celular e os coloca no marido. Diz numa voz miúda:
– Olhe os modos!
A frase é uma fraude. Talvez um mero tampão para esconder a fragilidade da relação familiar.
O pai volta ao notebook. O filho mergulha no jogo do vídeo game. A mãe guarda o celular na bolsa e fica a mastigar pensamentos.
Desgraçadamente, a situação da família sansei é uma imagem scanerizada dos dias atuais. As famílias estão ficando ruins de conversa.
Na maioria dos lares dos grandes centros urbanos, se os televisores, computadores, aparelhos de som, barbeadores, aspiradores e outros cacarecos parassem de funcionar de supetão, tudo ficaria irremediavelmente quieto como uma sepultura.
O mundo está criando uma geração de mudos. O mundo está criando uma geração de mudos que gritam. Geração de surdos que tudo ouve.
Na maioria dos lares, o silêncio passa de mão em mão, mas ninguém ousa quebrá-lo, até o gato sob a cadeira, de repente, para de ronronar.
Na maioria dos lares, a noite finda no silêncio e na solidão.
O que adianta o pai ter um bom emprego, não beber, não fumar, ser um bom motorista e saber preparar um fettucine ao pesto como ninguém? O que adianta a mãe trabalhar fora, manipular a última palavra em descascador de batatas, caber no manequim 38 e ter um cabelo lindo que pode ser sacudido num comercial de shampoo? O que adianta o filho ser um pequeno gênio da informática e a filha já modelar e ter saído em capa de revista? O que adianta tudo isso, se essa família é incapaz de um diálogo construtivo e prazeroso?
Todavia, ainda dá tempo de mudar isso. Basta querer de verdade. Reunir a família e falar besteiras, rir alto, trocar ideias, desafabar se for o caso e até sacudir o outro se preciso for. O bom é começar agora, antes que a oportunidade vá embora e não volte mais.