Flávio Luís Ferrarini - In Memoriam

Flávio Luís Ferrarini - In Memoriam

Flávio Ferrarini

In memorian

Natural de Nova Pádua, Flávio Luís Ferrarini mudou ainda adolescente para Flores da Cunha (RS), onde fixou residência. Era publicitário e colunista dos jornais O Florense – desde seu início, em 1988 – e Semanário, de Bento Gonçalves. Além disso, Ferrarini, colaborava com vários sites literários.

Entre seus reconhecimentos, está o empréstimo de seu nome à Biblioteca Pública Municipal de Nova Pádua e ter sido escolhido Patrono da 30ª Feira do Livro de Flores da Cunha.

Suas obras mereceram artigos elogiosos, como o de José Paulo Paes, ensaísta, poeta e tradutor brasileiro. Ferrarini acumulou resenhas entusiastas em importantes publicações literárias do Brasil.

Flávio Luís Ferrarini publicou seu primeiro livro individual em 1985, abrindo uma série de dezessete obras, nos gêneros de contos, crônicas, poesia, poesia em prosa, novela e narrativas infanto-juvenis. O colunista morreu em um acidente de trânsito em 16 de junho de 2015. Suas crônicas permanecem no site como forma de homenagem póstuma.

 

Contatos

Entrevista

Toca o telefone. É a Val. Reconheço a voz risonha dela.

Toca o telefone. É a Val. Reconheço a voz risonha dela. Val é estudante de uma escola em que palestrei sobre meu livro O segredo do diário de Pati. – Como você era na idade dos 14? Recebo a pergunta com estranheza. Pergunto o porquê da pergunta. Val explica. – Preciso traçar um paralelo entre os seus contra os meus 14 para um trabalho. Respiro fundo e desando a falar... Na idade mágica dos 14, a professora de português me deu o empurrão definitivo para o ofício de escrever, do qual nunca mais consegui me livrar. Claro que, aos 14, meus textos eram de fogos de artifícios e perfumados como um bibelô. Mal fazia ideia que escrever é como tirar uma partícula de rádio em uma montanha de minério. Aos 14, seu pai não sabia que eu existia e o resto do mundo também não. Vivia o tempo da ansiedade e não o do relógio. Aos 14, subia em árvore e descia escorregando pela ingenuidade. Conhecia somente dois tipos de esfaradrapo: o que não grudava e o que não saía. Adorava mascar chicletes Ping-Pong que eram um estouro e balas Embaré, finas e compridas feito tábuas de serraria, que melavam a boca toda. Aos 14, vivia a guerra dos hormônios contra os neurônios. Aos 14, comecei a fazer minhas primeiras experiências ridículas com barbas e cavanhaques. Tenho certo pudor em confessar, mas aos 14 tinha pudim no cérebro e orelhas sorridentes. Aos 14, estufava o peito e levantava a cabeça com jeito de adulto, mas tinha a insegurança de uma criança. Sonhava em casar e ter monte de filhos com uma colega de escola de nome Ivete. Aos 14, tinha helmintos, também conhecidos por vermes ou lombrigas. Dei a uma lombriga o nome de Valéria, uma garota que vivia me esnobando. Fiquei feliz no dia em que mamãe me deu remédio para pulverizar a Valéria e as amigas dela todas. Aos 14, tinha por mim que o mundo era um mar de rosas e, por isso, navegava no oceano da fantasia. Achava as garotas encantadoras, muito embora mais difíceis de entender do que a eletricidade. Ninguém sabia me explicar ao certo como funcionavam. Bastava apertar um botão para que iluminassem tudo, mas se tocasse onde não devia disparavam choques violentos. Aos 14, ainda não amava todas as aves do céu, as árvores e os animaizinhos da floresta,os gatos, os cachorros, os cavalos e todos os animais de rabo ou não. Não via, em cada uma dessas coisas, a manifestação e a presença de Deus. Aos 14, acreditava na grandeza do político e na honestidade à prova de corrupção. Todo político não só visava o bem público, como era capaz de morrer pela causa. Inclusive aqueles políticos com a cara tão cristã quanto o diabo. Aos 14, achava que o progresso era a única salvação na vida de todo mundo. Onde havia um casarão antigo, demolia-se para plantar outra nova no lugar, muito mais moderna e confortável. Onde tinha árvores nativas, punha-se ao chão, abria-se ruas e dava-se a elas o nome das árvores derrubadas: Rua do Ipê, Rua da Araucária e assim por diante. Odiava, não só com os olhos, a boca e os punhos, mas com o próprio coração todo aquele que ousasse fincar bandeiras contra o progresso. Eta, gentinha ignorante, dizia. Val me interrompe: – Mas você não usava piercing? Não tinha tatuagem? Não ia a Shopping? Não cheirava à celular? Não jogava vídeo game? Não ouvia a Britney? Não pedia socorro ao disque-pizza? Após uma pausa para engolir uma xícara de saliva, respondo: – Desculpe-me, você está falando com um homem pré-histórico. Entendeu? Repito tudo aos gritos, mas não há mais ninguém do outro lado da linha.-- Esta mensagem foi verificada pelo sistema de antivírus e acredita-se estar livre de perigo.