É mentira
Desculpe qualquer coisa, mas ninguém me tira da cabeça de que isso é mentira.
Desculpe qualquer coisa, mas ninguém me tira da cabeça de que isso é mentira.É mentira que o ano envelheceu num abrir e fechar de olhos.
É mentira que já estão matando o ano velho com pedaços de pau, ofertas, promoções, liquidações, mil e uma previsões e a mais louca correria.
É mentira que 2012 já está se recolhendo em novelos de melancolia.
É mentira que ela está com outro e vive feliz. É mentira que o novo amor está fazendo muito bem a ela. É mentira que a saudade é a presença da ausência.
É mentira que a infelicidade faz-nos conhecer os verdadeiros amigos.
É mentira que a dor sempre vem pungente e de repente, como se todos os ossos fossem mergulhados em água frente.
É mentira que o casamento são dois navios que se encontram nas águas calmas da vida, mas o destino quase sempre erra e acaba juntando dois navios de guerra.
É mentira que a poesia está morrendo nos cabides das livrarias e que está morrendo a própria caneta, a água que a fia.
É mentira que em 2012 as verdades dos meninos de rua foram armas de brinquedo e que seus brinquedos foram armas de verdade.
É mentira que a vida é uma viagem por dentro de uma flauta e que toda luz fenece tão logo aparece.
É mentira que a maioria imobilizou boa parte de 2012 com mesquinharias, bobagens, brigas tolas, discussões bobas, preocupações inúteis...
É mentira que muitos passaram por 2012 vivendo prazeres de meia-boca, aventuras pela metade, restos de emoções, uma vida sem nenhum tempero.
É mentira que o medo ordena para apertar o passo, obriga a levantar os vidros do carro, manda erguer muros, cercar casas, prédios e até túmulos. Obriga a eletrificar as cercas do sono e encher as paredes de câmeras e sirenes necessariamente insuportáveis. É mentira que o medo nos rouba preciosas horas de sono.
É mentira que a gente faz o que pode para entrar no novo ano com espírito renovado. É mentira que a gente vai repetir o Natal de 2011, que repetiu o de 2010 e o de 1990.
É mentira que a gente irá repetir as promessas de todo final de ano. “No primeiro dia de 2013 começo um regime rigoroso...” “Vou voltar a estudar em março...” “Pode ter certeza de que irei me livrar do corte de cabelo tipo tigela no ano novo...” “A partir de janeiro vou parar de fumar e de beber...”
É mentira que muitos reparam mais nas finlandesas sem roupa diante da embaixada do Japão do que ao protesto contra a caça às baleias. É mentira que as beldades chamam mais atenção do que os cetáceos ameaçados.
É mentira que a burocracia e a corrupção continuam mandando em muitas autarquias, órgãos e repartições públicas.
É mentira que o Brasil não bateu um bolão pelas crianças, não pisou na bola com os jovens e não deu bola para os seus idosos no ano que está se encerrando.
É mentira que o Cachoeira já desceu a cachoeira e já corre livre, leve e solto. O Cachoeira continua preso em presídio de segurança máxima, cumprindo a pena pela qual foi justamente condenado.
A mentira tem pernas curtas para escapulir mais facilmente por entre as pernas longas da verdade. É mentira que essa minha epigrama tem um cunho de verdade.
É mentira que Papai Noel não existe. Quem afirmou que Papai Noel não existe é um mentiroso de marca maior. Entre a luva e a manga comprida da roupa de veludo vermelho, o pedaço de braço revela um ‘bom velhinho’ que sai distribuindo presentes e contagia a todos com o ‘espírito do Natal’.
Agora, a maior mentira de todas as mentiras de 2012. É mentira que papai não estará com a gente na Ceia de Natal e nem comemorando conosco a virada do ano.