De perto ninguém é normal
Já dizia o nosso bardo Caetano Veloso: “De perto ninguém é normal”.
Já dizia o nosso bardo Caetano Veloso: “De perto ninguém é normal”. Olhar uma pessoa de longe é como olhar através de um vidro sujo e embaçado. Os detalhes mais sutis da personalidade e do caráter acabam quase sempre por nos escapar. Ao conhecer uma determinada pessoa, temos a certeza de que ela é assim e assim, contudo, à medida que conhecemos a pessoa melhor, as certezas enfraquecem. Geralmente, nos decepcionamos. Em geral, todo mundo tem menos brilho e relevo quando vistos de perto. De mais a mais, tem um outro ditado que diz que é preciso comer um saco de sal juntos antes de conhecer a pessoa com a qual convivemos, às vezes, durante a vida inteira. Mal enxergamos a pessoa do lado de lá da rua e vamos logo traçando um perfil completo dela: extrovertida, introverdita, controvertida, sofrida, perdida... Todavia quando atravessamos para o outro lado e chegamos bem pertinho, tudo é bem diverso do que em primeiro se conjenturou. Veja aquele engenheiro alto e magrela, 59 quilos, um verdadeiro bambu vestido. De longe, é um senhor circunspecto e metido num ar de intelectual. De perto, é um trapalhão, um Didi Mocó, um saco de risadas. E tem aquele outro que quando faz frio veste um blusão de lã, quando faz sol escaldante se protege com filtro solar, quando faz chuva abre o guarda-chuva, quando o escuro avança três dedos da noite, dorme, quando sente um vazio no estômago, come, quando sente um vazio na alma, reza, mas quando você chega bem perto dele vê que é um monstro que seduz crianças. E tem aquele outro que estraga os braços e a língua de tanto abraçar e cumprimentar as pessoas da rua e pergunta se está tudo bem, mas basta aproximar um pouco a lente para perceber que ele jamais foi capaz de abraçar o próprio filho. E tem a menina, colega de escola da sua sobrinha, toda assim com as mãos unidas caindo na frente, vestido com lindos babados, carinha de anjo. Você jura que é um anjo. Toda meiga e fofa como um ursinho de pelúcia. Uma pequena máquina de comover. Quietinha. Aos poucos, porém, ela se revela um capetinha. Põe toda a língua. Faz birra. Chora. Chuta suas canelas com violência. Bota fogo no rabo do gato. Tem a outra, colega de trabalho, extremamente recatada, cabelo preso, zero de maquilagem, óculos de grau com moldura preta na garupa do nariz arrebitado. Você é capaz de jurar que ela pertence ao Convento das Benedetinas, porém mal sabe que é frequentadora assídua dos sex-shops da vida. E tem aquele outro tão pobre que era tratato por “hei”, passou por “Você”, “Sr.”, “Dr.” e chegou ao “Sim, Senhor”, porém tem um medo inconfensável de acabar a vida novamente pobre. Também, tem o outro que vive com a bíblia debaixo do braço e a palavra de Deus na boca, porém é um fugitivo da polícia por ter praticado duplo homicídio. E tem aquele que você acha que é um valentão, mas se esconde atrás da rima do “covardão”. Para finalizar, você que me conhece pelas páginas do jornal, ou apenas de vista, de repente, pode ter criado a imagem de que sou um homem versado em letras. Engano seu, não passo de um quase impostor que tenta se passar por escritor.