Créu na velocidade 5
A coisa mais difícil do mundo é ser quem verdadeiramente somos. Talvez não haja nada mais complicado do que sermos do jeito que somos o tempo todo.
A coisa mais difícil do mundo é ser quem verdadeiramente somos. Talvez não haja nada mais complicado do que sermos do jeito que somos o tempo todo.No mundo instantâneo em que vivemos, dominado pela realidade virtual compartilhada, sermos fiéis a nós mesmo é muito complicado.
Somos estimulados a ver aquele filme que no fundo achamos um saco.
Somos exigidos a compartilhar milhares de amigos nas redes sociais.
Somos cobrados a fazer sexo sete vezes por semana.
Somos persuadidos a usar tênis com entressola de alta tecnologia para não castigar os calcanhares contra a dura crosta terrestre.
Somos coagidos a comprar a chave dos milagres da igreja que pouco ou nunca frequentamos.
Somos pressionados a dançar “Créu” na velocidade 5.
Somos convidados compulsoriamente a sorrir diante das câmaras dos postos de gasolina (‘Sorria, você está sendo filmado’).
Somos compelidos a aderir todos ao bloco de carnaval dos ‘bundas moles’.
Se não cedemos às pressões de nos embutirmos aos comportamentos da maioria do rebanho, fazem-nos sentir o botão fora da casa, o peixe fora d’água, o pássaro sem galho.
Viver segundo as nossas legítimas escolhas é correr o risco de recebermos o carimbo de alienados (se você tem menos de 12 anos e não junta ideia do que seja ‘carimbo’, pergunte ao Sr. Google).
Não imitar a maioria é correr o risco de levar uma descarga elétrica – um chicote de 27.700ºC – quatro vezes a temperatura na superfície do sol. O ar em torno desloca-se causando o estrondo, que viaja por entre os prédios a 340 metros por segundo.
A pressão para ser como os outros são pode ser sutil em algumas vezes, mas quase sempre é violenta. Se você, autêntica leitora, quiser ser uma dançarina de funk, terá que aderir ao padrão definido. Precisará virar uma mulher-bomba, em permanente expansão corporal. Deverá turbinar a musculatura na academia, seguir uma dieta rigorosamente desenhada e usar uns fermentos dos músculos.
Assumir quem somos de verdade, com nossas manias esquisitas, defeitos tantos, intimidades inconfessáveis e um feixe com algumas virtudes, não é para os fracos.
Fazer as próprias regras e jogar o próprio jogo é somente para os que são autênticos. E ser autêntico não é só ser íntegro, legítimo, verdadeiro e sincero... Essas são apenas características humanas. Ser autêntico é muito mais do que isso: é viver de acordo com nossos princípios e valores.
Talvez, a literatura conserve o poder de consertar um pouco essa coisa de escaparmos de nós mesmos e nos jogue para dentro. O livro e a leitura têm esse poder de fazer com que paremos para um mergulho em nossa alma.
Muito embora muitos achem que a literatura não serve para nada e teimem em reduzi-la a um passatempo à beira da piscina ou salas de espera de consultórios, a literatura tem o poder de interrogar, interferir e nos levar ao autoconhecimento.
O mais importante disso tudo é que não precisamos ser uma mula carregada de diplomas ou credenciais para ler um bom livro. O livro é uma ferramenta super democrática. O livro é para todos. Falando melhor, o livro é para os que têm coragem de mergulhar em si mesmos.
O livro é para os que têm coragem de ser o que são e não o que os outros querem que sejam.