Cidade pequena
Juro que a ideia desta crônica não é minha, mas de um leitor, ex-morador de cidade pequena.
Juro que a ideia desta crônica não é minha, mas de um leitor, ex-morador de cidade pequena. Coisa de alguns meses, escrevi loas sobre as vantagens de morar em cidade pequena.Empilhei vantagens de morar em uma cidade onde a vida não é sacudida como uma migalha da toalha de uma janela alta. Claro que, não obstante os prós e contras, o negócio é levar a vida com bom humor, seja em cidade grande, seja em cidade pequena. Então...
– Os moradores da cidade pequena trocam bom-dias com a mesma naturalidade com que trocam ponta-pés.
– Na cidade pequena, todo mundo sabe quem está saindo com quem. Quem está passando a perna em quem. Quem está botando grandes galhadas na testa de quem...
– Se a cidade grande é governada pelo medo, a cidade pequena é governada pela fofoca. Onde, a não ser na cidade pequena, para a fofoqueira ser uma biógrafa de primeira linha, pois sempre tem na ponta da língua a vida toda da vizinha.
– Na cidade pequena, as pessoas se cumprimentam na rua e trocam gentilezas, muito embora a maldade se esconda sob as maneiras mais polidas.
– Mais do que em qualquer outro lugar, é na cidade pequena que as pessoas desenvolvem a arte de despejar do alto da janela, no momento em que alguém está passando pela calçada, toda a espécie de detritos: migalhas de pão, restos de cadávares como ossos de frangos, cascas de melancia e outras porcarias do gênero que ornam a cabeça do infeliz.
– A cidade pequena parece estar o tempo todo a espera do fim do mundo.
– As ruas são cobras tristes e as casas são vacas deitadas à sombra da cidade pequena.
– Na cidade pequena é possível saber até de quem você pegou resfriado.
– Na cidade pequena o político estraga a mão de tanto cortejar o eleitor.
– O tempo na cidade pequena nunca é o tempo do relógio, mas quase sempre o da mansidão.
– Um “Afonso” (corra ao dicionário de gírias) de média intensidade pode ser ouvido de uma ponta a outra da cidade pequena.
– As opções de lazer na cidade pequena são tantas e tão divertidas que é comum arrancar lágrimas dos olhos.
– Todos tripudiam em cima de todos na cidade pequena, inclusive as deficiências físicas parecem servir de alimento às gozações imbecis.
– Os cardápios do sexo, como panfletos de puteiros, zonas e inferninhos não são distribuídos sorrateiramente na cidade pequena para alimentar a libido masculina.
– Os programas de fim de semana não passam de lavar o carro no sábado e assistir o Faustão no domingo. Claro que uma boa opção para o sábado é cortar a grama do jardim e no domingo sentar na calçada para falar mal de quem passa.
– Como as festas e eventos não acontecem com tanta frequência na cidade pequena, faltando mais de um mês já começa a contagem regressiva e a ansiedade vai aumentando para que esse dia chegue logo.
– Se acontece um grave acidente, só se fala nisso por dias na cidade pequena toda.
– Caso alguém da cidade pequena mande escrever no pára-choque a frase “Ritinha não presta”, todo mundo vai saber qual Ritinha não presta, pois na cidade pequena só tem uma Ritinha.
– Pontos de referência? A cidade pequena só tem dois: a praça e a igreja matriz.