Churrasco
Se segunda é dia da sopinha; terça de galinha; quarta de massinha; quinta de polentinha; sexta de cervejinha; sábado de feijoadazinha...
Se segunda é dia da sopinha; terça de galinha; quarta de massinha; quinta de polentinha; sexta de cervejinha; sábado de feijoadazinha... Domingo não é dia de diminutivo nenhum, mas de aumentativo. Domingo é dia de churrascão. O churrasco virou praticamente uma instituição junto à família, amigos, vizinhos e até de penetras. Em mundo dessacralizado como o nosso, o churrasco é o senhor do domingo para o qual são consagradas as melhores horas do dia. Fazer churrasco exige todo um ritual. Preparar um bom churrasco é uma arte. Tudo começa com uma churrasqueira funcional e capaz de manter o calor, cujo combustível é um bom carvão. Tem a técnica de salgar a carne que, segundo os mandamentos sagrados do churrasco, deve ser com sal grosso. Meia hora antes de levar a carne ao fogo deve ser colocada em uma gamela e esfregar o sal grosso com as mãos. Sal fino ou salmoura é coisa de bárbaros; suprema heresia. Salgada a carne, vem a técnica de acender o carvão colocando álcool em três lugares diferentes. Acender o fósforo e jogá-lo sobre o álcool, mantendo uma distância mínima para não acabar chamuscado ou assado no lugar da carne. Também há churrasqueiros que não dispensam o abanador e o espalha brasas. Equipamentos estes para os quais alguns churrasqueiros torcem o nariz. Claro que o mais importante é o boi, ou seja, o mapa do boi. As regiões do boi a serem levadas ao calor das brasas para assar. Alcatra, picanha, maminha, contra-filé, filé mignon, fraldinha, chuleta e costela que deve ir às brasas sempre com o lado do osso para baixo. Não obstante todos saibam como preparar churrasco, do cupim à aba de filé, é cruel admitir isso, mas em matéria de churrasco sou como o escritor inglês George Orwell, o “Decameron dos fracassados”. Os sucessos são todos iguais; já os fracassos são diferentes, disse Tolstoi, o autor russo de “Guerra e Paz”. Nas poucas vezes que me arvorei em coragem para preparar o churrasco, as coisas não deram muito certo. Estou sendo piedoso comigo mesmo. Da última vez que botei um pedaço de carne no espeto, meus amigos confundiram a carne com o carvão. Por muito pouco não perdi os amigos bons de garfo e ruins de compaixão. O que faço direito é espalhar bem as brasas após o churrasco para que morram mais rapidamente. Se acontece de fazer churrasco à beira de um riacho, com fogo direto sobre o chão, utilizo a técnica conhecida como “bexiga vazia”. Tudo isso serviu apenas de preâmbulo para falar na parte mais importante que envolve a arte de fazer churrasco que é a companhia. Um bom churrasco não pode prescindir de um exímio churrasqueiro que tope ser vítima dos palpiteiros. Em um bom churrasco é indispensável quem cuide da caipirinha com o tradicional limão, água e açúcar bem misturados e que não se canse de fazer rodar o copo. Indispensável também é quem se encarregue das piadas. É importante alguém para cuidar da salada verde composta por alface, chicória, rúcula e queijo parmesão ralado, tudo bem temperado com vinagre, sal e azeite. Há que ter também o sujeito chato para reclamar que “A carne está uma sola” e o antídoto para afirmar que o “O churrasco está tão delicioso que é capaz de fazer até morto ressuscitar”. Dito isso, discípulos de um bom churrasco, uni-vos, antes que os adeptos das comidas funcionais à base de suco de berinjela, salada de alfafa e meia dúzia de grãos de arroz integral comecem a patrulhá-los e hostilizá-los. Ponham a carne no espeto. Reajam antes que o mundo os transforme em um insosso Miojo.