Beijo com sabor de bergamota
Com a proximidade da data comemorativa...
Com a proximidade da data comemorativa ao segundo santo católico do mês de junho, São João Batista (dia 13, Santo Antônio e dia 29, São Pedro), me bate, sei lá por que, a lembrança súbita do primeiro beijo.Deixe-me contar a você como foi. Talvez você também deseje trazer à lembrança seu primeiro beijo. Afinal, como disse o bardo Shakespeare, “Lembrar é fácil para quem tem memória, esquecer é difícil para quem tem coração”.
Lá se vão quase 40 anos.
Tarcísio e Glória arrancavam suspiros dos espinhentos iguais a mim, na novela Cavalo de Aço.
Roberto e Erasmo surfavam nas ondas do rádio com “Detalhes tão pequenos de nós dois”...
Francisco Cuoco e Débora Duarte desidratavam os leitores na fotonovela “Andorinha da Asa Ferida”.
Pelé e Garrincha faziam estripulias com a bola e atazanavam a vida de seus marcadores em campo.
Da hora mesmo era usar calça boca-de-sino verde combinando com camisa volta ao mundo amarela e cinto largo.
Quente era ter uma bicicleta Monark com freio no pé e acelerador nas pernas.
O grande barato era entornar uma cuba libre ao som da Rita Pavone, Sergio Endrigo e Pepino di Capri.
Tinha eu doze ou treze anos de idade e pudim no cérebro quando fiquei com a Laurinha (é claro que não vou entregar o nome verdadeiro assim de bandeja para meus velhos amigos me zoarem).
Era dia festa em honra a São João por quem Jesus deixou-se batizar.
Mal anoiteceu, atearam fogo na fogueira armada com troncos enormes de árvores caídas nos matagais próximos. Não demorou nada a estalarem os primeiros rojões fabricados com bambus verdes. Risadaria e gritos para além da iluminação precária das chamas da fogueira.
O violão e a sanfona foram acordados pela dupla “Cavoca e Tiraterra”. Pipoca, batata doce, pinhão, amendoim e batata doce, armazenados em cestos de vime dispostos sobre uma mesa comprida.
O arrasta-pé começou no chão de terra batida ao som do nheco-nheco da sanfona e do violão desafinado.
Logo procurei Laurinha com o olho.
Laurinha vestia uma saia pregueada, blusa de um ombro só e cabelo preso do lado.
Eu calçava um par de sapatos novos de borracha cheios de furinhos para os pés respirarem e não apodecerem lá dentro. Calça de tergal, camisa amarelo-ovo e cabelo rebelde amansado à base de tapas e bastante gel.
Precisei disputar a Laurinha com o Pança, comedor de batata doce e polenta. Um rosnando para o outro feito cães enciumados. Vencida a disputa, convidei Laurinha com o dedo para um canto do salão improvisado.
Dei um espetáculo de chaveiro ao estorvo do irmãozinho da Laurinha para dar uma folga e nos deixar a sós.
Depois de muitas bergamotas, amendoins e pipoca e mais de uma hora de juras e promessas para pegar na mão dela, finalmente, quase no fim da festa, graças a um feliz e proposital descuido, meus lábios roçaram pelos lábios quentes da Laurinha.
Assim se deu meu primeiro beijo. Beijo com sabor de bergamota.
O amor, coisa para muito depois.