Flávio Luís Ferrarini - In Memoriam

Flávio Luís Ferrarini - In Memoriam

Flávio Ferrarini

In memorian

Natural de Nova Pádua, Flávio Luís Ferrarini mudou ainda adolescente para Flores da Cunha (RS), onde fixou residência. Era publicitário e colunista dos jornais O Florense – desde seu início, em 1988 – e Semanário, de Bento Gonçalves. Além disso, Ferrarini, colaborava com vários sites literários.

Entre seus reconhecimentos, está o empréstimo de seu nome à Biblioteca Pública Municipal de Nova Pádua e ter sido escolhido Patrono da 30ª Feira do Livro de Flores da Cunha.

Suas obras mereceram artigos elogiosos, como o de José Paulo Paes, ensaísta, poeta e tradutor brasileiro. Ferrarini acumulou resenhas entusiastas em importantes publicações literárias do Brasil.

Flávio Luís Ferrarini publicou seu primeiro livro individual em 1985, abrindo uma série de dezessete obras, nos gêneros de contos, crônicas, poesia, poesia em prosa, novela e narrativas infanto-juvenis. O colunista morreu em um acidente de trânsito em 16 de junho de 2015. Suas crônicas permanecem no site como forma de homenagem póstuma.

 

Contatos

Aprendi

Daqui a dois dias completo 52 anos de vida. Não estou vivendo nenhuma grande crise de identidade. Não estou passando por nenhum grande problema ligado ao DAEM – Distúrbio Androgênico do Envelhecimento.

Daqui a dois dias completo 52 anos de vida. Não estou vivendo nenhuma grande crise de identidade. Não estou passando por nenhum grande problema ligado ao DAEM – Distúrbio Androgênico do Envelhecimento.
Estou apenas diante da marcha irrefreável dos cabelos brancos, contra a qual nenhum exército do mundo poderá detê-los. Pouco importa, contudo, os cabelos brancos. O que vale é o que se aprende com o branco dos cabelos.
Em 52 anos de vida aprendi que o tempo passa mais rápido do que a própria vida.
Aprendi que na primeira fase da vida conheci as pessoas e o mundo. Na segunda, experimentei parte do que conheci e, agora, na terceira, posso escolher o que viver e assim curtir com prazer as minhas escolhas.
Aprendi que Deus não me deu as ferramentas necessárias para transcender, por isso preciso de arte e poesia.
Aprendi que a musiquinha depois do Fantástico prenuncia desumanamente a segunda-feira.
Aprendi que quase tudo na vida cobra pedágio.
Aprendi que os amigos são como os melões: de cada 100 apenas dois ou três são bons, e o restante ou está carunchado ou está podre.
Aprendi que, na maioria das vezes, quando precisamos de uma mão amiga podemos encontrá-la no fim do nosso próprio braço.
Aprendi que a linha divisória entre o bem e o mal atravessa todos os corações, mas ninguém é capaz de arrancar um pedaço do próprio coração para separá-los.
Aprendi que quem realmente ouve os dois lados de uma discussão de um casal é a vizinha.
Aprendi que esquecer deve ser uma forma de fechar portas. Esquecer consta de enfraquecer o olho para aquilo que se agita no passado. Esquecer requer o trabalho de não desenvolver culpas ao olhar para trás.
Aprendi que é preciso dar tempo ao tempo. Os pinguins aguardam, pacientemente, um mês inteiro na praia, chegando a perder metade do peso, para trocar a plumagem, e só então voltar ao mar.
Aprendi que na Palestina há o muro das lamentações, na África do Sul há o muro da segregação racial, nos Estados Unidos há o muro de dólares e, no, Brasil só há pichações no muro.
Aprendi que ter uma companhia não significa necessariamente ter um alento para a solidão ou segurança contra as peças que a vida costuma nos pregar desavisadamente.
Aprendi que rir é o melhor remédio. Aprendi que quem ri o tempo todo é um tolo.
Aprendi que uma das coisas da vida que não tem conserto é a estupidez humana.
Aprendi, sobretudo, que colecionar livros é um passatempo e que ler livros é colecionar passatempos.
Aprendi que para tornar-se homem é preciso medir a própria coragem.
Aprendi que a mentira tem pernas curtas para escapulir mais facilmente por entre as pernas longas da verdade.
Aprendi que todas as coisas têm serventia. Pregos atirados fora consertam a vida do borracheiro. Arbustos às margens da estrada se encaixam para penico. Nariz grande e tortão endireita a vida do cirurgião. Cabeça desarrumada arruma a vida do analista.
Aprendi que os ‘malas’ são o sal da terra. Por onde eles passam não cresce grama nem coisa alguma. Aprendi que os ‘malas’ não largam do seu pé até deixar você descalço ou a pé, dependendo da situação.
Aprendi que se pode adiar uma viagem, um compromisso, uma tarefa, mas nunca um olhar, um sorriso, um abraço ou uma palavra amiga.