A chama de um dom
Todos nascem com vocação para alguma coisa.
Todos nascem com vocação para alguma coisa. Só não vale confundir vocação com talento. Vocação e talento são diferentes. Vocação é o chamado (não necessariamente o chamado de Deus). Talento é a chama de um dom. Vocação é a revelação de uma consciência. Talento é a aptidão natural desenvolvida na paciência sem fim. Não estamos no mês das vocações nem nada, mas o assunto dessa crônica é mesmo sobre vocação. Vocação religiosa. Freira. Padre. Pastor. Missionário. Colega meu de infância assegurou ao professor que tinha vocação para ser Papa. Esqueceu, porém, de complementar: Papa-moscas que foi o que acabou se tornando ao longo do tempo. Vocação genérica. Obreiro. Diácono. Beato. Sacristão. Dizimista. Distribuidor de santinhos religiosos. Vocação esportiva. Cem metros rasos. Duzentos metros rasos. Quatrocentos metros com barreira. Salto com vara. Salto sobre o cavalo. Salto triplo. Jogar bola com o pé. Jogar bola com a mão. Nado de peito. Nado de costas. Nado livre. Vocação enraizada. Mal o sujeito nasce e já começa a enterrar-se na ignorância e na estupidez. Vocação empreendedora. John Rockefeller que transformou o petróleo em uma máquina de fazer dinheiro. Barão de Mauá que antecipou a revolusão industrial brasileira. Francisco Matarazzo que criou o maior império industrial da América Latina. Henry Ford, o rei do automóvel. Akio Morita, o criador da Sony e que uniu o ocidente e o oriente. Bill Gates, o senhor da Microsoft, o homem mais rico do mundo. Flávio Luis Ferrarini, o homem do bolso furado. Vocação política. Político de carreira. Vereador. Prefeito. Deputado. Governandor. Senador. Presidente. Político aniversariante que só aparece uma vez ao ano na base eleitoral para pedir voto. Político-osso que é duro de roer. Político-reserva que não sai do banco. Vocação artística. Cantar. Dançar. Pintar. Representar. Escrever. O artista é aquele que lança luz sobre a alma humana, como sabiamente disse George Sand. Talvez, a minha vocação não seja a de escritor como você e mais alguns leitores creem. Tentar consertar o mundo, fazendo da caneta o martelo e das palavras os pregos não me parece ser minha missão a cumprir. É bem possível que não seja a de escritor a minha verdadeira vocação, muito embora a escrita tenha me chamado ardentemente ainda em criança. Desconfio que tendo nascido na segundo metade do século passado e assistido o homem pisar na lua, minha vocação também tenha ido para o espaço. Continuo a escrever por pura teimosia e para matar a imensa saudade que sinto de Deus. Um coisa, porém, é certa. Não tenho vocação política, religiosa, empreendedora... Também não tenho a menor vocação para homem ideal, como esses aparelhos de televisão modernos: bonitos, fininhos, bom papo e nunca saem de casa à noite. Creio que minha verdadeira vocação seja a vocação para a vida. Vocação para a vida quer dizer amor pela vida, mas também inclui amor aos outros com o que sobrar e receber, às vezes, um pouco de amor em troca. Por falar nisso, qual é a sua vocação?