Flávio Luís Ferrarini - In Memoriam

Flávio Luís Ferrarini - In Memoriam

Flávio Ferrarini

In memorian

Natural de Nova Pádua, Flávio Luís Ferrarini mudou ainda adolescente para Flores da Cunha (RS), onde fixou residência. Era publicitário e colunista dos jornais O Florense – desde seu início, em 1988 – e Semanário, de Bento Gonçalves. Além disso, Ferrarini, colaborava com vários sites literários.

Entre seus reconhecimentos, está o empréstimo de seu nome à Biblioteca Pública Municipal de Nova Pádua e ter sido escolhido Patrono da 30ª Feira do Livro de Flores da Cunha.

Suas obras mereceram artigos elogiosos, como o de José Paulo Paes, ensaísta, poeta e tradutor brasileiro. Ferrarini acumulou resenhas entusiastas em importantes publicações literárias do Brasil.

Flávio Luís Ferrarini publicou seu primeiro livro individual em 1985, abrindo uma série de dezessete obras, nos gêneros de contos, crônicas, poesia, poesia em prosa, novela e narrativas infanto-juvenis. O colunista morreu em um acidente de trânsito em 16 de junho de 2015. Suas crônicas permanecem no site como forma de homenagem póstuma.

 

Contatos

Coisas que fazem bem

Saber que as coisas que fazem bem custam pouco mas valem muito. Fazer cosquinha nos sobrinhos apenas para vê-los cair numa gargalhada quente e colorida.

Saber que as coisas que fazem bem custam pouco mas valem muito. Fazer cosquinha nos sobrinhos apenas para vê-los cair numa gargalhada quente e colorida. Raspar o fundo da panela de arroz de carreteiro. Tomar banho de chuva, mesmo que seja somente debaixo de uma lembrança de infância. Lavar o olho de dentro para fora devido a uma tristeza que chegou de repente e foi embora sem avisar. Escrever um poema de amor ridículo (porque todos os poemas de amor são ridículos). Pensar que ele ou ela leu o poema. Achar que ele ou ela gostou do poema. Assobiar a melodia de uma velha canção do Caetano numa caminhada matutina. Escutar com o coração o amigo tocar violão aos sábados à noite. Ser recebido com festa pelo seu cachorro no final da tarde quando retorna do trabalho. Fazer um carinho de passagem no amor da sua vida. Jurar que vai matar meio mundo, mas se arrepender logo em seguida. Cair, não no chão ou no conto de um espertalhão, mas numa rede ou numa piscina. Deixar um pouquinho de lado as coisas urgentes para fazer as coisas importantes. Fazer uma bola de chiclete e melecar todo o rosto. Subir em árvore para roubar uma fruta. Descer deslizando pelo tronco. Aprender a estimular vários tipos de fome. Dos olhos vem a fome de beleza; dos ouvidos vem a fome da música; dos pés vem a fome de novos caminhos; dos lábios vem a fome de beijos quentes; da boca vem a fome de palavras doces; da mente vem a fome de sabedoria; do coração vem a fome de amor; da alma vem a fome de Deus. Desmanchar casa de formigão com um graveto no final de tarde preguiçoso. Observar, do alto de uma duna, as nuvens se esfarelando sobre o mar. Crer que, em algum lugar do seu coração, há uma criança correndo atrás de uma carroça carregada de boas lembranças, como se fosse um prédio andando sobre rodas. Ter coragem bastante para dizer não para o que não estiver afim de fazer. Ter consciência de que seus sonhos são muito mais do que sonhos, são na verdade suas asas. Não ser convidado para programa algum de fim de semana que lhe exija saltar da cama antes das dez da manhã. Ter nascido numa época em que a rua era um espaço público e não uma mera passagem de um lugar a outro. Ter sido criado com mamadeira de leite gordo de vaca e não com mamadeira de refrigerante. Fazer assim com os ombros para relaxar as costas. Pescar, não na beira de um rio com uma linha na mão à espera de um peixe, mas mergulhar o anzol da sensibilidade nas páginas de um bom livro para fisgar o alimento sutil da alma. Tentar construir algo novo sozinho... Noé construiu a Arca e uma equipe de profissionais construiu o Titanic. Procurar alguma coisa e encontrar outrar totalmente diversa da que estava procurando. Andar por aí sem rumo certo.