Danúbia Otobelli e Gissely Lovatto Vailatti

Danúbia Otobelli e Gissely Lovatto Vailatti

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Carrilhão musical francês: Melodia e orgulho

Até 1993 os sinos foram tocados manualmente e exigiam o envolvimento de seis sineiros

Quei nati nela Europa
Há visto de piú grande
Ma nel stato di Rio Grande 
Le prime é queste qui.

“Aqueles que nasceram na Europa viram de maiores, mas no Estado do Rio Grande [do Sul], os primeiros estão aqui”. Com estas palavras, citadas num trecho do poema ‘Memoria dell’arivo delle campane di Novo Trento’, em tradução livre ‘Memória da chegada dos sinos [da vila] de Nova Trento’, escrito pelo poeta imigrante italiano Angelo Giusti, é possível notar a importância que teve o carrilhão musical francês que chegou ao município em 1901. Era um feito extraordinário para o lugar e para a época.
A necessidade e a motivação para a compra dos sinos surgiram no findar do século XIX, após a reunificação dos povoados de São Pedro e São José e o estabelecimento dos Freis Menores Capuchinhos. A aquisição era uma forma de enaltecer a vida religiosa e social do pequeno vilarejo e consolidar a dedicação dos moradores locais com as obras comunitárias.  
Por ocasião da bênção da pedra fundamental do Convento Sagrado Coração de Jesus, em 5 de dezembro de 1897, o jornal Il Colono Italiano, veiculado em 1º de janeiro de 1898 (p. 4), publicou os seguintes dizeres ‘verso le tre, venne estratta una Tombola a vantaggio delle campane per la Chiesa del Nuovo Trento’, através dos quais pode-se compreender que, por volta das três horas daquela tarde, foi realizada uma espécie de bingo para angariar fundos para a compra dos sinos da igreja de Nova Trento. A informação referente a esta, dentre outras iniciativas, registra o empenho dos paroquianos.
Num manuscrito resguardado pela Secretaria da Cúria Provincial dos Freis Capuchinhos, consta que, após angariar os fundos necessários, ou, ao menos, boa parte deles, em outubro de 1900, antes de D. Augusto Finotti retornar à sua terra natal, no Tirol, foi encomendada à Fundição Georges & Franciscque Paccard, de Annecy, Savoia (França), o belo conjunto de sinos.  
O dia 3 de junho de 1901 fez com que muitas pessoas saíssem às ruas e se reunissem para conferir a tão almejada aquisição. No sobe e desce da Rua Principal (atual Avenida 25 de Julho) crianças, homens e mulheres com olhares curiosos aguardavam por algo que nunca haviam visto antes. Até que puderam ouvir o pestanejar de mulas e o ranger das carroças. A banda se colocou em posição e o toque se fez solene para recepcionar a encomenda tão valiosa.  Motivo de orgulho de todos os trentinos, chegavam do além-mar os cinco sinos vindos de Savóia. 
Inicialmente foram instalados em um ‘castelinho’ de madeira, nos fundos da primeira igreja, edificada com o mesmo material. Ali ficaram, entre as ruas Dr. Montaury e Demétrio Ribeiro (atual Frei Eugênio) até o ano de 1949, quando foi inaugurada a imponente torre de pedra com 55 metros de altura, tombada como Patrimônio Histórico Municipal através do Decreto Executivo nº5.744, de 30 de outubro de 2019.
Quase uma década depois da chegada, a Igreja Matriz estava praticamente concluída quando, conforme consta no livro tombo da Paróquia Nossa Senhora de Lourdes, em 12 de fevereiro de 1911, aconteceu a bênção dos sinos. Giusti, já citado, que integrava a comissão da Paróquia e foi um dos padrinhos do sino de nome Claudia-Giuseppa, marcou com sua récita importantes fatos sobre a compra e a chegada dos sinos, bem como sua bênção. No poema ‘Benedizione delle campane’, em tradução livre ‘Bênção dos sinos’, descreveu a grandiosa festa que foi realizada na ocasião. Estavam presentes o bispo, sacerdotes e diversas autoridades. Coube aos padrinhos despir os sinos que estavam ‘vestidos’ de branco. E ‘com as mãos sobre o bronze’, entoaram-se cânticos e orações que criaram um cenário único. Bentos com óleo santo, foram insistentemente tocados, fazendo-se ouvir a longas distâncias. 
A significância e a expressividade dos sinos aumentaram com o passar dos anos e motivou a prefeitura de Flores da Cunha a criar o evento Sinos de Natal, cuja primeira edição aconteceu entre 13 e 31 de dezembro de 1997. 
Durante o período que envolveu o projeto de restauro e requalificação do campanário, três coisas fizeram muita falta: os mostradores do relógio, as notas de falecimento e o badalar dos sinos.  Depois de muito empenho, em 11 de março de 2023,  juntamente com a publicação do livro História de um gigante: o Campanário de Flores da Cunha, escrito por Gissely Lovatto Vailatti, Lorete Calza Paludo e Vânia Tonietto Brugalli, - o qual imortalizará estes registros -, a população poderá ouvir novamente o badalar dos sinos, num misto de nostalgia e prova de sua relevância e magnitude.

Curiosidade

Até 1993 os sinos foram tocados manualmente e exigiam o envolvimento de seis sineiros. Desde então são tocados eletronicamente. A melodia do carrilhão musical é motivo de encantamento e orgulho para moradores e visitantes. Contam que, no passado, pessoas da capital do Estado vinham para o município, especialmente para ouvi-los. Numa ocasião, o governador do Rio Grande do Sul em dois mandatos, Sinval Sebastião Duarte, passando por Flores da Cunha em viagem de retorno de Antônio Prado, chegou a parar defronte ao campanário e pedir para que os sinos fossem tocados.

Chegada dos sinos de Nova Trento, 1901 - Reprodução/Livro História de um gigante: O campanário de Flores da Cunha

Igreja e castelinho (velho campanário) da Paróquia Nossa Senhora de Lourdes, 1910. - Paróquia Nossa Senhora de Lourdes