Danúbia Otobelli e Gissely Lovatto Vailatti

Danúbia Otobelli e Gissely Lovatto Vailatti

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Brizoletas: arquiteturas dos tempos de aprender

Com o lema: nenhuma criança sem escola, o intuito era erradicar o analfabetismo no Rio Grande do Sul

No alvorecer da década de 1960, a feição rural de Flores da Cunha começou a esboçar mudanças. Aqui e ali começaram a ser edificados pequenos prédios em madeira ou alvenaria. Os projetos arquitetônicos eram padronizados e variavam apenas na quantidade de salas – uma ou duas. Esses prédios simples tinham um único objetivo: educar todas as crianças em idade escolar. Eram as chamadas brizoletas, pequenas escolas construídas durante o mandato do governador Leonel de Moura Brizola, entre 1959 e 1963. Com o lema nenhuma criança sem escola, o intuito era erradicar o analfabetismo no Rio Grande do Sul. 
Hoje, a maioria das popularizadas brizoletas, ou para alguns apenas “escolas rurais” (muitas delas foram construídas antes do governo Brizola, mas acabaram por tornarem-se assim conhecidas), não existem mais. Em Flores da Cunha e Nova Pádua, as edificações que ainda existem encontram-se relegadas a ação do tempo. Conforme levantamento feito pela Secretaria de Educação de Flores da Cunha, eram 36 escolas espalhadas pelas diversas comunidades. Onde havia um aglomerado de famílias, era construída uma escola. Os terrenos, muitas vezes, eram doados pelos próprios moradores.
Quem passar por aquelas que ainda resistem em meio à vegetação, verá uma característica marcante: sua localização. Todas foram construídas às margens das estradas ou voltadas para a rua. O objetivo era facilitar o acesso e indicar que a escola estava aberta para receber “um mundo novo, o mundo lá da cidade”. Outro detalhe é que boa parte foi edificada em madeira. Havia abundância do material no município e isso barateava os custos da construção, que também contava com o voluntariado dos pais. Foi uma das estratégias que a Comissão Estadual de Prédios Escolares (CEPE) encontrou para concretizar a demanda. 
Mais do que sua arquitetura, muitas memórias passaram por dentro das paredes. Professores, hoje já aposentados, iniciaram no magistério lecionando nessas pequenas escolas, que sequer tinham cozinha ou banheiro - estes passaram a ser construídos a partir da década de 1980. Em seus quintais, hortas eram cultivadas e a merenda feita pelas próprias docentes. As brizoletas eram o espaço intermediário entre o meio rural e a cidade. Suas salas multisseriadas abrigavam alunos de 1ª a 4ª séries, que iam para a escola a pé, muitas vezes descalços, e com escassos materiais escolares que se resumiam a pequenos blocos de papeis usados e um lápis, transportados dentro de uma bolsa de pano ou um saquinho de mantimentos (arroz ou açúcar). Tal situação exigiu que fosse disponibilizado aos alunos o que foi chamado de ‘material do governo’, composto por um par de sapatos, um lápis, uma borracha e um caderno.
Essas escolas serviram como portas para o saber até o início da década de 1990, quando começaram a ser desativadas para incorporação aos polos educacionais. Foi constatado que havia dificuldades de acesso de alunos e professores e que o sistema multisseriado não favorecia o ensino de qualidade. Dessa forma, em cumprimento a normativas estaduais e federais, em 1991 Flores da Cunha iniciou o processo de centralização das escolas e a implantação do transporte escolar público. Em 1993, todas as pequenas escolas estavam extintas. Muitos prédios escolares foram desmanchados, outros transportados de um lugar para outro e alguns se tornaram capelas mortuárias, sedes de clubes de mães, vestiários, entre outras ocupações.
Nas andanças, quem avistar uma escolinha deve ter em mente que elas foram portadoras de significados, de alegrias, de aprendizados e de promessas de uma educação acessível para todos e que, até hoje, se perpetuam na memória daqueles que sentaram em seus bancos. 

    

Escola Rural Reunida de Mato Perso, construída por volta de 1960.

                           

Escola Euclides da Cunha, no Travessão Divisa, em Nova Pádua.

Escola Dom Luiz Scortegagna, no Travessão Acioli, em Nova Pádua.

Flores da Cunha
Antigas escolas que ainda possuem seus prédios
Escola General Osório na capela São Vitor e Corona, Mato Perso.
Escola Casemiro de Abreu na Granja São Mateus (Travessão Carvalho).
Escola Capitão Joaquim Mascarello na capela São Valentin. Seu prédio foi transformado em capela mortuária.
Escola Olavo Bilac na Zona Rech, na capela São Valentin.
Escola Dom Pedro I em Monte Bérico. O prédio está abandonado.
Escola Avelino Giacomet próxima ao Camping da Vindima. Sua estrutura abriga uma moradia.
Escola Castro Fortuna na Zona Verdi, na capela São Vitor. O prédio está abandonado.
Escola Nossa Senhora do Bom Conselho em Lagoa Bela. O prédio abriga uma moradia.
Escola São Paulo na capela São Paulo. O prédio é usado para atividades da comunidade. 
Escola Municipal João XIII na capela Nossa Senhora Medianeira. O prédio está abandonado.
Escola Municipal Dom Pedro II na Linha 40. O prédio está abandonado.
Escola Travessão Rondelli. O prédio em madeira foi transportado próximo ao pórtico, ao lado da Escola Horácio Borghetti. 

Em Nova Pádua
Escola Euclides da Cunha no Travessão Divisa. O prédio está abandonado.
Escola Dr. Luiz Scortegagna no Travessão Accioli. O prédio em madeira está abadonado.
Escola Nossa Senhora do Carmo no Travessão Bonito. O prédio em madeira está abandonado.
Escola Carlos Gomes na Capela Santo Izidoro. O prédio está abandonado.

* As escolinhas Rio Branco, na Linha 100, Tiradentes, em São João, e Benjamin Constant, em São Roque, tiveram seus prédios ampliados e constituem a  estrutura atual das respectivas escolas. Em Mato Perso, a brizoleta foi incorporada a escola atual Antonio de Souza Neto.

Curiosidade: no ano de 1950 o índice médio de analfabetismo no Rio Grande do Sul era de 41,21%. No meio rural, esses números dobravam, já que as grandes distâncias e as condições de acesso à escola eram difíceis. Em 1947, quando assumiu o mandato como deputado estadual, Leonel de Moura Brizola levantou a bandeira Nenhuma criança sem escola no Rio Grande do Sul. Para atingir esse objetivo, quando assumiu como governador, passou a construir pequenas escolas no interior. Com apoio das prefeituras municipais, elas começaram a ser erguidas a partir de 1959. Se popularizaram como brizoletas ou as escolinhas do Brizola. Inclusive, dentro das salas de aula estava, em destaque, havia um quadro de Brizola. Durante os quatro anos de governo foram construídas, em todo o estado, 2.711 escolas e o número de professores que em 1959 era de 8.785, atingiu a marca de 22 mil em 1962.